sábado, dezembro 29, 2007

Um salto no escuro - para o conhecido

Carla e Tetê foram visitar uma amiga, a Fabi, outra carioca morando em Curitiba. Chegaram no final da tarde e se afogaram em lembranças e vinhos. Todos os homens foram lembrados, todas as fotos foram revistas, todos os vestidos foram comentados, todas as histórias passaram por releituras.
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Passava um pouco da meia-noite quando o pior aconteceu: o vinho acabou e ainda tinha muito papo. Só restava sair e procurar um lugar para continuarem a desfilar as lembranças e fofocas. Decidiram ir num carro só, e Carla lembrou que o dela estava duas quadras abaixo. Foram andando e comentando que só em Curitiba mesmo para andarem tranqüilas numa rua deserta e escura. Pelo menos uma coisa boa daqui! No Rio isso seria impensável, no mínimo elas seriam assaltadas.
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Foi quando Tetê sentiu duas mãos vindas por trás e apertando na sua cintura. Deu um grito altíssimo e instintivamente um chute forte, dobrando a perna para trás. Ouviu o barulho do salto de sua sandália quebrando e até hoje lembra da sensação de ter batido em algo duro. E o que se seguiu depois disso ela lembra perfeitamente de ter acontecido em câmara lenta. Aos poucos ela deixou de ver as amigas ao seu lado. Virou para trás e, no chão, estendido e com os braços protegendo o rosto, um corpo de homem encolhido.
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Fabi e Carla estavam enlouquecidas batendo com as bolsas enormes naquele homem estendido no chão. Elas batiam e chutavam, gritavam e choravam. E o homem com a maior dificuldade, gritava mais alto:
- Deixem de ser loucas, eu só tava brincando, conheço a Tetê!
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Foi um enorme desespero. Fabi e Carla não entendiam o que estava acontecendo e não paravam de bater no coitado. Tetê tirava uma de cima dele e assim que largava para tirar a outra, a primeira já tinha voltado. Até que ele conseguiu levantar e ajudar Tetê a segurar aquelas loucas.
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Depois de tudo explicado as duas se acalmaram e só restou a opção de convidar o pobre Rodolfo para tomar um vinho com elas. Antes, tiveram que passar em dois lugares: uma farmácia para improvisar um curativo na perna de Rodolfo e na casa da Tetê, para ela trocar a sandália. O salto, Rodolfo guardou de lembrança da violência urbana.

domingo, dezembro 23, 2007

A influência do feijão nas amizades femininas

Tetê ainda morava em Ipanema quando conheceu Carla. Loira, linda, com duas filhas pequenas loiras e lindas, recém-separada, Carla se mudou para o apartamento ao lado. Suas janelas eram coladas e elas também logo se tornaram inseparáveis, depois que o essencial se estabeleceu: as crianças deveriam chamar Tetê de "maninha" onde quer que estivessem, principalmente na praia...
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Carla estava traumatizada pela separação e não tinha intenção alguma de se envolver com alguém naquele momento, mas adorava festas e seguia Tetê pelo Baixo Leblon em noites memoráveis que quase sempre acabavam em mesas imensas e muito champagne na Pizzaria Guanabara.
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Carla odiava cozinha tanto quanto ela, mas como as crianças eram loucas por feijão, ela fazia um feijão divino, todos os dias. Tetê adorava e elas aprenderam a comer feijão gelado de madrugada, depois das festas. Ainda tinham forças para comer as feijoadas no Copa, aos sábados. Até que um dia resolveram ir a um desfile de lançamento de uma grife alternativa. Durante o coquetel, Tetê perdeu Carla de vista e voltou pra casa sozinha.
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No dia seguinte Tetê acorda com um barulho estranho. Algumas coisinhas caem insistentemente sobre ela, como uma chuva de pedrinhas. Depois de sentar na cama, percebe vários grãozinhos de feijão em torno dela, e mais alguns entrando pela janela aberta. Só podia ser a Carla! Ela vai até a janela e encontra a amiga assustadíssima e sussurrando para que ela "pelo amor de deus", tire um modelo de sua cama antes que as crianças acordem.
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Ainda sem entender nada e atordoada de sono, Tetê voa, abre a porta, entra no apartamento vizinho, esconde a amiga no banheiro e vai cumprir sua terrível missão... quando abre a porta do quarto de Carla, não acredita no que vê: um homem lindíssimo dorme feito um anjinho e ela reconhece como um dos modelos do desfile da noite anterior. Por isso Carla havia sumido!
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Acordar aquele homem foi hilário... Tetê se debruçou e cutucou umas dez vezes, até que ele abriu os olhos (azuuuuuuuis) e perguntou absolutamente confuso:
- Você não era loira até ontem de noite?
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Não adiantaria explicar. Carla estava em pânico presa no banheiro, as crianças prestes a acordar e Tetê sem café – sinônimo de nível de consciência zero – portanto, o jeito era tirar aquele monumento dali. E ele queria café... a reação mais natural então, foi convida-lo para um café no seu apartamento! Que durou exatos seis meses!
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Carla nunca não perdoou Tetê pela traição. Brigaram de verdade e ela rogou uma praga: Tetê nunca mais comeria feijão sem lembrar que havia traído uma grande amiga. Tetê nunca esqueceu Carla e os feijões e continuou jurando que não foi uma traição: ela só atendeu direitinho ao desesperado pedido de tirar o modelo de lá...
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No sábado passado Tetê estava no shopping e escutou uma frase antiga atrás dela:
- Vai uma feijô no Copa mais tarde?
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Era Carla! Em Curitiba! Coitada, inclusive, morando em Curitiba!
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Foram a uma feijô no Bourboun, mataram as saudades, contaram as novidades e juraram amizade eterna desde que, é lógico – e agora mais do que nunca –, as crianças que já eram mulheres feitas continuassem chamando Tetê de "maninha". E desde que, é lógico também, não freqüentassem mais desfiles de grifes alternativas.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

A bifurcação e o "ser esquisito fêmea" do Luis Antonio

Tetê marcou um almoço com um velho amigo, que não via desde o início do ano. Um homem clássico, sério, elegantérrimo. Com 27 anos de casado ainda era completamente apaixonado pela esposa e por um casal de filhos lindíssimos. Enfim, um homem estabilizado e feliz, generoso e um amigo daqueles que se pode contar até debaixo d'água. Foi buscá-lo no escritório e, sentadinha no hall do prédio, imaginou como ele estaria naquele dia: no mínimo, uma camisa Yves Saint Laurent com as mangas charmosamente dobradas e uma calça de microfibra. Ele sempre foi chiquérrimo com aquela barba bem cuidada e grisalha.
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O elevador se abre e no lugar do Luis Antonio sai um jovem de cabelos espalhados, uma camiseta justa e uma calça de brim preto transadíssima. Mas... que coisa, não era um rapazinho fashion... era o Luis Antonio!!! Até sem a barba!!!
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Tetê só se refez do susto no restaurante, quando ele contou que estava divorciado e curtindo a vida. Dava pra perceber! Na realidade, ele estava ótimo. Saudável, independente, feliz e bem humorado. Lógico que havia um abalo por causa do divórcio, mas o abalo maior tinha outro motivo.
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Ele conheceu uma advogada logo depois da separação e se encantou por ela. Tiveram um rápido caso, mas ela contou que tinha um namorado. Este foi o primeiro susto do Luis Antonio. Ele fora fiel durante 27 anos e não entendia esse mundo novo de festas e momentos.
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Romântico incurável e ainda acostumado a uma só mulher, abriu seu coração para a advogada no primeiro café da manhã (que levou para ela na cama). Disse que tinha uma excelente situação financeira e que poderia sustentá-la. Que adorava dormir abraçado e que levaria o café da manhã na cama todos os dias. Que seu hobby preferido era dar presentes, de preferência, jóias. Que a primeira noite deles foi suficiente para ele se sentir perdidamente apaixonado. Que adorava usar palavras carinhosas. E que a primeira viagem deles seria para as ilhas gregas, mas que teriam um mês para dar umas esticadas por Paris, Genebra e onde mais ela quisesse.
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Luis Antonio conta, atordoado, que a única coisa que a advogada disse foi:
- Desculpe, eu não agüento isso.
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Consciencioso e crítico, ele não acha que exagerou. E também não acha que poderá ser um homem diferente da próxima vez, com a próxima mulher. Ele é o que é e não vai aceitar as novas normas do mercado. Mas está absolutamente apavorado com o que vem pela frente e com as frases que irá escutar daqui em diante, toda vez que ousar ser sincero.
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Tetê deixou Luis Antonio no meio da tarde, e se sentiu mais atordoada do que ele. Ela ainda lembra que o tipo de queixa dele, era o tipo de queixa dela e de todas as mulheres até bem pouco tempo atrás: o homem só quer usar por uma noite, pensa que somos um objeto de prazer, não liga se tem uma mulher fixa e sai com outra descaradamente, não pensa em relacionamentos sérios, não faz a mínima questão de ser gentil e nem se dá ao trabalho de mentir. O que vale é o sexo pelo sexo e o momento. A quantidade em detrimento da qualidade. O coração fechado para emoções e a sensualidade falando mais alto. Não ligar no dia seguinte... não dormir abraçadinho... não criar laços e não manter intimidade sob hipótese alguma.
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Afinal, em que ponto as posições se inverteram? Em que momento as mulheres incorporaram o masculino? Será que nós percebemos, pelo menos, que passamos por uma bifurcação escolhendo a direção que o mundo não esperava? Será que entendemos que os homens estão confusos? Ou melhor, que ainda existem homens que também deram de cara com uma bifurcação???

quinta-feira, dezembro 13, 2007

A Teoria do Caos e a pasta negra da Natan

Tetê estava no carro de uma amiga no maior papo. De repente passam por um prédio lindo, na frente do qual uma placa enorme indicava uma Fundação Fulano de Tal. Tetê ficou pasma!!! Fulano de tal? De onde vinha esse nome? Do mais recôndito de sua memória? Uma rápida rastreada e as sinapses chegaram...
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Cinco anos atrás lendo a Folha de São Paulo, Tetê descobre que no dia seguinte, pela manhã, abriria um Congresso Internacional da Teoria do Caos e Geometria Fractal. Ora, ora, ora! Que interessante!!! Tinha que participar, obviamente.
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Liga para o agente de viagens e recebe a triste notícia: nem pensar em passagens até amanhã de tarde. A não ser que ela quisesse ir de ônibus. Ai, o que Tetê não faria para estar na abertura do Congresso? Lógico que iria de ônibus, não podia ser tão mal, não é? O agente que conhecia Tetê de outros carnavais dá uma risadinha maliciosa e avisa que a passagem terrestre será entregue em uma hora... e que ela teria que embarcar às 24:03h. Horariozinho estranho, mas tudo bem. Chegaria ao amanhecer, iria para o hotel, um banho e zupt para o Congresso. Tudo bem.
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Na rodoviária Tetê se apavora. Uma montanha de gente, com roupas esquisitas (ops, a palavra outra vez...) e malas esquisitas (ops, ops). Acha o "portão de embarque" e até se sente excitada por debutar em um ônibus leito. Olhando para baixo para não se sentir tão excitada com aquele exército de mochilas, sacolas, sacolinhas que passam por ela, de repente, pertinho de suas pernas, ela vê uma pasta preta masculina da Natan. Tetê não acredita naquilo e vai aos poucos levantando os olhos para ver quem poderia carregar aquele tesouro naquele lugar. Quer dizer, levanta os olhos um pouquinho, depois um pouquinho mais, um pouquinho mais, mas não chegava nunca ao final daquele paletó que carregava a pasta!
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O homem era imenso!!! Tetê calculou, por baixo, uns 1,95 metros de homem. Dentro de um terno interessantíssimo, do qual saía um braço enorme que carregava a pasta preta da Natan. E pluft: aquele gigante embarca num ônibus que tinha uma placa de 24:00h, para São Paulo. Ela tinha perdido o gigante por 3 minutos!
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Planejou que naquelas paradas que o agente disse que o ônibus faria, no meio da estrada, em uma lanchonete tradicional, ela desceria (contrariando os conselhos do agente de viagens) e acharia o dono daquela pasta. Lógico, a oportunidade estava ali. O ônibus pára, ela voa para fora e procura entre trocentos passageiros de trocentos ônibus. Nada da pasta nem do gigante. Volta para o ônibus dela decepcionada, mas tenta se conformar com a abertura do Congresso.
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Chega em Sampa, vai até o Bourbon e um banhinho e uma roupinha depois, decola para o Congresso. Chegando lá ainda faz a ficha atrasada, paga a taxa e enquanto examina o programa... a pasta negra passando pelas pernas dela! Desta vez ela não olha aos pouquinhos, não. Joga a cabeça para os céus, pega no braço do gigante e pergunta se ele veio no ônibus das 24 horas, saindo de Curitiba. Ele estranha e (olhando para baixo...) responde que sim, como ela sabia?
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Ela conta que amooou a pasta dele. Ele acha estranho e se apresenta. É físico e mora em Curitiba faz pouco tempo. Ai... ela confessa que entende pouquíssimo de física, mas gostaria muito de aprender. Passam 4 dias juntos no Congresso. Passam 4 meses juntos em Curitiba, na volta do Congresso. Falam de física de manhã, de tarde e de noite.
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O problema é que durante esses 4 meses, ele nunca mais usou um bom terno. E a pasta negra sumiu do mapa. Tetê imagina se não era emprestada de algum amigo um pouquinho mais chique...
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Tetê tentou ser magnânima! Ela jura que sim! Tentou passar pela falta da boa pasta Natan, do bom terno e de tudo o mais que imaginava bom. Tentou se concentrar na inteligência dele, no raciocínio lógico que tanto a agradava. Até que foram a uma churrascaria. E ao final, ele resolveu chamar o garçon e pedir palitos. E palitou os dentes.
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Tetê esperou o espetáculo do palito acabar, olhou para ele e disse que estava tudo bem, mas estava tudo acabado. Ele insistiu em saber o motivo, mas insistiu tanto, que ela contou: eram os palitos de dente. Ele merecia a verdade, apesar de tudo.
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Ele retrucou furioso, alegando que algo tão pequeno e insignificante como um simples palitar de dentes não podia ser motivo para o final de uma relação. Ele não podia se conformar com um motivo tão pequeno, ela estava inventando isso porque não queria contar o verdadeiro motivo da separação.
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Aí Tetê foi tomada por aquele tipo de inteligência que se baseia em reunir rapidamente uma série de informações técnicas e condensa-las para que tomem apenas um rumo, numa só frase. E saiu com essa:
- Exatamente como na Teoria do Caos, onde o que vale é a dependência sensível de um sistema de suas condições iniciais. Lembra da frase "o bater das asas de uma borboleta em Nova Iorque pode causar um terremoto no Japão?" Pois o conceito é o mesmo. Você palitando os dentes agora pode me causar uma crise histérica amanhã.
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Aí ele entendeu.
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Ah, e só para constar: a tal Fundação Fulano de Tal que Tetê viu com a amiga, não é dele não. O nome é que era bem parecido...

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Tetê vai ao dicionário

Tetê andava incomodada com definições. Não que estivesse perdendo o sentido da realidade, mas deixava de entender coisas simples, palavras simples, situações simples. Palavras que sempre se desnudaram diante dela, agora pareciam ser outro idioma, falado em outro planeta.
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Lógico, ela estava se referindo ao ser esquisito (aiiiiinda...). Tudo bem, ela havia prometido virar a página e tinha cumprido. Não tinha nenhum contato, não tinha inclusive, nenhuma vontade. Estava numa fase inédita: não queria ouvir falar dele, não queria notícias e lá no fundo, sentia uma coisinha parecida com raiva ou desprezo, ela ainda não tinha certeza. Afinal, era o primeiro ex que a deixava enfurecida. Todos os outros, sem exceção alguma, eram homens maravilhosos e seres humanos incríveis, que nunca saíram da vida dela. Do quarto passaram – sem traumas – para a sala de estar, e eram ótimos companheiros atualmente. A maioria deles aliás, era atual confidente, em mão dupla.
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Foi aí que Tetê começou. Procurou por "ex":
Exprime movimento para fora de, saída, intensidade etc.: êxodo, expatriar, expurgar. Anteposto e ligado por hífen a certos substantivos, designa cargo, profissão ou estado que se deixou de exercer: ex-diretor, ex-ministro, ex-marido.
Bom, o ser esquisito não deixou de ser algo. Ele nunca foi nada na vida dela. Mas ainda batia a parte do movimento para fora, expurgando...
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Tetê tentou "homem":
Ser humano em geral; o homem é um mamífero bípede, dotado de inteligência e linguagem articulada. Indivíduo da espécie humana. Aquele que procede com madureza, que tem experiência do mundo. Aquele que possui em alto grau os distintivos da hombridade.
Aqui nada rolou. O mamífero bípede ainda vai... mas o resto? Dotado de inteligência e linguagem articulada? Distintivos da hombridade? Que inferno, esse ser esquisito não existia mesmo nem em dicionário!
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Tá, tudo bem, quem sabe "amante"?
Que ama. Pessoa que ama.
Imagiiiiiiiine! Amar o que? Amar quem? Isso o dicionário não traz. Qual o objeto de amor? Nem a ele mesmo ele conseguia amar! Não, amante, também ele não era.
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Vamos tentar "companheiro"?
Aquele que acompanha. Colega, condiscípulo. Camarada.
Aqui, mesmo que o dicionário não traga, a gente ainda consegue completar: acompanha as criançinhas, as menininhas. Coleguinha de festinha punk, de mal criado que não escova os dentinhos antes de dormir e quando acorda. Camarada de putaria. Tá bom, aqui fazia um pouquinho de sentido.
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Quem sabe, procurando bem, ele não se adaptasse a um "amigo"?
Que tem gosto por alguma coisa; apreciador. Aliado, concorde. Caro, complacente, dileto, favorável. Dedicado, afeiçoado. Indivíduo unido a outro por amizade; pessoa que quer bem a outra.
Uau, aqui tudo, absolutamente tudo furou. Unido a outro? Que quer bem a outro? Aliado? Esse cara conseguia ser unido ao próprio pênis, e olhe lá! Olhe lá mesmo, porque o homem que sente amizade ou que quer bem o próprio pênis não sai por aí colocando o dito cujo nas lixeiras das esquinas, não é?
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Mas Tetê não quis desistir do dicionário tão facilmente, acreditava nele. E localizou uma definição que beirou a perfeição, e que trazia um regionalismo – esse sim – absolutamente perfeito. Procurando por "esquisito", olha só o que Tetê achou, e principalmente, a riqueza da expressão utilizada no Paraná:
Que se encontra raramente. Estrambótico. Incomodado, adoentado. Lugar deserto. Reg (Paraná) Trilha difícil e áspera.
Taí: trilha difícil e áspera. Não é que o dicionário e o Paraná, desta vez, tinham acertado em cheio??? Esse era o ser esquisito. Bem áspero, bem Paraná, bem dífííííícil. Lógico que não combinava com "trilha", mas de resto, era a definição perfeita!
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Aliás, "trilha"...:
Rasto ou vestígio que uma pessoa ou animal deixa no lugar por onde passa. Caminho, senda, trilho, vereda. Caminho a seguir, carreira. Exemplo, norma.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

O pedido de casamento

Depois da primeira experiência proporcionada pela agência, Tetê resolveu que só marcaria um novo encontro no próximo mês... precisava se recompor e se preparar para outros imprevistos quase matrimoniais que viessem a acontecer.
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Enquanto isso, lembrou de como o cientista a havia pedido em casamento. E mais uma vez se imaginou absolutamente incapaz de produzir sinapses! Como ela pode passar três anos com alguma coisa como o ser esquisito, depois de uma cena deslumbrante num aeroporto...
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Foi assim: ela ainda morava no Rio quando conheceu o cientista. Passaram dois meses juntos e ele precisou ir a New York, a trabalho. Passou 15 dias viajando e ligou para Tetê busca-lo no Galeão. Tetê chegou cedo no aeroporto e se certificou que o vôo estava no horário. Sentou o mais próximo que pode do portão de desembarque internacional e estava folheando uma revista, quando um casal de velhinhos chegou perto dela com ramalhete pequeno de lisianthus: rosa, branco e roxo. A velhinha perguntou se ela era a Tetê, e colocou as flores em seu colo. Sem entender o que estava se passando, tentou perguntar quem eram eles, mas eles já tinham se virado para ir embora. Em seguida, chegou uma menina de uns 7 anos, olhou pra ela, sorriu, e largou outro ramalhete igual no colo dela. Tetê começou a ficar assustada.
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Antes que pudesse pensar em fazer alguma coisa, uma fila de pessoas saiu daquele portão, e cada pessoa trazia um conjunto igual com 3 lisianthus, sorria pra ela e largava as flores no seu colo. Passaram-se alguns minutos neste ritual, Tetê absolutamente pasma e muda, as flores como que brotando do chão, do ar, das cadeiras a sua volta, e ela ali, querendo saber que tipo de sonho doido poderia estar vivendo. Muitas flores depois, a fila parou. Ninguém mais saía por aquela porta e Tetê estava com medo de se mexer. Ou era um sonho e ela poderia acordar, ou era um atentado terrorista e ela poderia explodir junto com as flores. Não dá para saber quantos minutos se passaram, mas de repente, daquele portão vazio em pleno Galeão, sai o cientista. Com muitos lisianthus na mão, num bouquê imenso. Chega perto dela – ou seja, do jardim no qual ela havia se transformado – e pergunta simplesmente:
- Gostou? Quer casar comigo?
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Mais tarde, em casa – e com todas as flores que Tetê fez questão de carregar – ele contou que estava no hotel em New York e viu isso na televisão. Gostou tanto que resolver fazer o mesmo, e quando o avião levantou vôo ele pediu permissão para falar com os passageiros no auto-falante e explicar seu plano. Todos, obviamente, concordaram em participar da loucura dele.
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Passado o carinho que a lembrança trouxe, Tetê se sentiu péssima! Ter passado os últimos tempos com o ser esquisito não era um desrespeito somente com ela mesma! Era como se ela estivesse jogando no lixo todas as situações maravilhosas proporcionadas pelos homens maravilhosos que ela teve na vida. E lixo, afinal, era o lugar do ser esquisito – e não dela, muito menos dos ex fantásticos que foram homens, que escovavam os dentes, que falavam, que liam, que escreviam, que tinham um pé na realidade e outro na masculinidade. O que o ser esquisito tinha de tudo isso? Nada, absolutamente nada. Com certeza, um lisianthus para o ser esquisito, era material erótico!

segunda-feira, dezembro 03, 2007

O cadáver

O primeiro pretendente que concordou em conhecer a Tetê era bastante charmoso. Marcaram um almoço e ele foi um gentleman. Era um homem de 50 anos, elegante, divorciado com 2 filhas que moravam em São Paulo (uma médica e outra advogada). Executivo de uma grande instituição bancária e com uma vida financeira estabilizada, curtia as boas coisas da vida como viagens e bons restaurantes, carros importados, jazz e ópera.
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Durante o almoço Tetê fantasiou uma vida com ele: daria certo, ela tinha certeza. Um homem sereno e maduro, charmoso, bonito e bem vestido. Bem resolvido com o mundo, com os negócios e com a família. Amigo da ex-mulher e do marido atual dela. Uma das filhas grávida e ele quase vovô de primeira viagem. Tetê queria tentar, achou que merecia esse tipo de "descanso", depois das batalhas pesadas que havia tido com e pelo ser esquisito.
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Ao final do almoço ele confidenciou que gostaria muito de vê-la novamente, queria conhecer o lugar onde ela morava (ops!) e comer uma comidinha que ele preparasse (ops! ops! ops!). Atenciosa, Tetê perguntou o que ele gostaria de comer... ele disse que adoraria um franguinho básico... e marcaram o jantar que Tetê prepararia para o dia seguinte!!!
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Tetê nunca preparou nada na vida, quanto mais um frango. Mas, esperançosa, se convenceu que, se tudo tinha um preço, esse até que era bem barato. Imagine! Quem não sabe preparar um franguinho básico? Bem, ela não sabia, mas iria aprender, lógico. Ligou para uma amiga e pegou a receita, detalhe por detalhe. Entrou no supermercado e deu de cara com o frango, que passou do congelador para o carrinho pelas pontinhas dos dedos dela. Ugh....
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Chegou em casa as cinco horas e ele chegaria as oito. Colocou o frango na pia e foi arrumar a casa. Voltou para a cozinha e lá estava o frango, no mesmo lugar. Quer dizer, um pouquinho mais descongelado, mas no mesmo lugar. Deu as costas para o frango e foi organizar os CDs. Entra na cozinha e o franguinho lá na pia. Ainda na pia. E ainda mais descongelado. Foi trocar a água das flores no banheiro. E entrou na cozinha novamente... lá estava o franguinho, dentro da pia. Desta vez, absolutamente descongelado e mole. Amorfo. Desconectado dela. Morto. Estático. Branco. Empacotado. Absolutamente desmaiado. O relógio marca sete horas e o desespero marca Tetê.
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Tetê toma banho e se arruma, mas não imagina de que forma pode chegar perto daquele cadáver dentro da sua pia. Ela olhava para ele e tinha a nítida impressão de que ele estava em estado adiantado de decomposição. Dele, saía uma água branquinha e um cheiro insuportável. Tetê teve a impressão de que ele estava se mexendo... fingiu que olhava para cima e subitamente olhou para o cadáver novamente. Não havia dúvidas – pensando que ela não estava olhando, ele havia se mexido. Parecia que estava rindo de Tetê. E Tetê começou a chorar. Primeiro, mansamente. Em segundos estava soluçando em desespero completo. Fechou a porta da cozinha e pensou em chamar a polícia, os bombeiros, o porteiro, a vizinha. Mas o interfone tocou! Oito em ponto e aquele homem charmoso estava na portaria, e não havia meios de reverter a situação.
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Tetê abriu a porta e antes que ele estendesse as flores, se jogou no pescoço dele e pediu aos berros, por tudo que era mais sagrado para ele, que a ajudasse a tirar o cadáver da cozinha, da pia e da vida dela.
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O homem ficou mais branco que uma folha de papel, largou as flores no chão, se desvencilhou do abraço desesperado dela e voou para localizar a cozinha... quando voltou para a sala ainda branco de susto, ergueu as flores e a Tetê do chão. Flores na mesa, Tetê no sofá. Educadamente, ele diz que vai sair com o cadáver e que Tetê deve tomar um banho e dormir para se recompor. Ele ligaria no dia seguinte cedinho para saber como ela estava.
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Até hoje Tetê não entende porque ele nunca mais telefonou.

sábado, dezembro 01, 2007

A quarentena e mais 5 dias, com uma agência de matrimônio no meio

Tetê passou dias e dias extremamente quieta: como se não fizesse parte do mundo, como se fosse uma estrangeira, como se vivesse no futuro e os códigos de linguagens atuais não lhe chegassem com sentido algum. Do momento em que colocou os olhos na punk funk rock até agora, guardou um segredo: no seu último aniversário havia feito um pacto com o ser esquisito – eles se encontrariam periodicamente a partir dali, de 45 em 45 dias.
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Eles tentaram conversar uma vez no msm e o papo ficou preso nas situações daquela menina. Eles se estranharam, Tetê disse que estava colocando um xis vermelho no nome dele para sempre. Ele entendeu que era no msm e a bloqueou!!!... Todos os dias Tetê entrava no msm e ele não estava lá. Ou melhor, ela sabia que ele estava lá, mas aparecendo off line. E no quadragésimo quinto dia, Tetê chegou no escritório e lá estava ele, on line. Tetê lembrou que tinha um jantar com amigos naquela noite. Foi até o nome dele e o bloqueou...
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Enquanto ela dizia que ficou tudo quieto, muito quieto dentro dela, ocupou seus dias procurando a tal agência. Houve uma que pareceu interessante: caríííííííííssima, o que era um bom sinal, pois nem todo mundo podia pagar aquela fortuna; de uma figura conhecida da sociedade curitibana, o que era outro sinal positivo, pois a dona não se comprometeria com candidatos de baixo nível, e extremamente simpática, numa bela casa lotada de tapetes persas, um gerente bem descolado e empregadas uniformizadas.
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Respondeu a trocentos questionários, levou cópias de documentos, deu referências pessoais, comerciais e bancárias, levou fotografias, fez entrevistas com psicólogas e achou tudo aquilo um saco, mas pelo menos enxergava segurança no processo. Se todo mundo passava por tudo aquilo, ela deveria encontrar pessoas que não se tornariam surpresas desagradáveis depois do primeiro encontro... ou será que se tornariam???
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Depois que toda aquela documentação e toda aquela conversa acabaram, ela foi finalmente "admitida". E o primeiro prêmio chegou: ela poderia começar a "escolher" alguém, de uma pé-seleção que haviam feito especialmente para o seu perfil. Para isso, ela precisaria ir até a agência com disponibilidade de ficar por lá uma tarde toda.
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Para Tetê, aquilo tudo foi hilário! Ela foi trancada numa sala absolutamente confortável. Ela e uma séria de pastas de futuros pretendentes... em cada pasta, os questionários preenchidos e várias fotografias dos homens que, como ela, já não sabiam ou não tinham tempo nem paciência para conhecer pessoas pelos métodos normais. Era interessante ler repetidamente aquelas perguntas e ver como cada um deles respondia às questões. Ela analisou a gramática, a caligrafia, a economia ou o exagero de palavras, a metodologia da comunicação de 35 homens naquela tarde. E selecionou 4 pastas, como quem seleciona 4 potes de geléia na prateleira do supermercado.
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O próximo passo era mais delicado, pois a agência entraria em contato com os 4 homens selecionados e eles teriam que concordar em se encontrar com ela. Ai, ai ai! O medo de ser rejeitada novamente e desta vez, de uma forma mais cruel – por 4 homens que nem mesmo a conheciam!!!
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Mas o pior não aconteceu. Ou aconteceu???? Tetê não foi rejeitada e, um a um, pode rejeitar aqueles 4 homens. Os questionários não mostravam o mais importante: os olhares, os sotaques, os tiques nervosos, os movimentos das mãos, o cruzar de talheres nos restaurantes, as meias brancas, as gravatas de Pato Donald, os vícios psíquicos, as exigências, os pedidos estranhos, as piadas...

terça-feira, novembro 27, 2007

Representação gráfica do cérebro da Tetê

Depois de tudo, Tetê conseguiu me explicar como se sentia me enviando essa imagem: essa era sua cabeça. Um misto de explosão com muita fumaça em torno dela. Ela sabia agora o que significava uma enorme confusão. E sabia também o sentido da palavra definitivo.
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Tetê sentia saudades dela mesma, das suas amigas, dos seus programas. Sentia saudade de ir ao teatro, ao cinema ou ao shopping, nos bons e velhos tempos em que não ficava em casa grudada no telefone ou verificando de cinco em cinco minutos as mensagens do celular. Dos dias distantes em que ia trabalhar e deixava a casa desarrumada, pois não esperava ninguém. E se alguma visita chegasse de repente, teria que se adaptar à sua bagunça. Da liberdade de desligar o aparelho de som com qualquer cd dentro dele, sem a estratégia psicótica de deixar somente os que ele gostava de ouvir, se por acaso aparecesse repentinamente.
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No fundo, Tetê sentia saudades de sua vida, de sua casa, de seus horários, de suas canecas de nescafé com leite frio, dos arquivos de seu computador, das sacolas de boutique dançando pela sala e indo até o quarto, de deixar a cama desarrumada e de não lavar todas as xícaras antes de sair. Sentia falta do tempo em que vivia para ela e não para ele. E da extrema felicidade de estar viva, que parecia ter ido embora para sempre.
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Ela havia decidido ligar todos os ventiladores do mundo para sumir com essa fumaça o mais rápido possível! Sabia que somente uma força de vontade imensa faria tudo aquilo desaparecer como que por mágica. Mágica??? Não, ela não era mulher de ficar parada esperando que a vida desse um jeito em tudo, como uma beata que senta e reza horas a fio. Ela decidiu colocar a mão na massa e se virar!!! Tomar alguma atitude que funcionasse como um remedinho gostoso e sofisticado, nada daqueles xaropes amargos que reviraram o estômago e serviam para qualquer uma. Tetê não era qualquer uma.
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Pensa daqui, pensa dali, folheia livros da Clarice Lispector, dá um pulinho em Madame Curie, passa por Danusa Leão e Marcelo Gleiser (talvez na física quântica...), visita Fernanda Young, se agarra com os Carls conhecidos e amados – Sagan e Jung – e de uma hora para a outra, chega um insight: no dia seguinte vai se inscrever numa dessas agências de casamento!!! Pelo menos nos filmes e nas lendas da Internet, isso funcionava...

segunda-feira, novembro 26, 2007

O terceiro aniversário de Tetê: a última impressão, a derradeira impressão sobre o cérebro (dele)

Tetê resolveu fazer um teste com ela mesma: até que ponto tinha dignidade? Até que ponto poderia aceitar dividir o ser esquisito com uma fêmea da mesma espécie dele, ou seja, esquisita?
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Lá vinha outro aniversário, lá foi ela telefonar e intimar para ele passar a meia-noite com ela. Ele responde é lógico e ela espera. Nenhuma produção como na primeira vez. Ela esperou de jeans e camisa branca. Encomendou Steak au Poivre do Old West, prato preferido deles.
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Conversaram sobre a fêmea esquisita e minúscula dele, e sobre o deus grego, que Tetê tinha voltado a encontrar com freqüência. Tudo muito morno. Saborearam a comidinha e o champagne. Tudo muito morno Lentamente passaram para a maravilhosa Old West Dessert (maças picadas ao creme, nozes, castanhas, passas, ameixas e mel...). Tudo muito morno. Tiveram um capuccinho cheinho de espuma. Tudo muito morto. E foram para a cama. Tudo muito morno. O celular dele tocou as duas da manhã e ele disse que precisava ir embora. Tudo muito morno.
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Ele saiu e Tetê encheu a banheira com sais, espumas e água morna. E ali, de molho, cercada das velas que não tinha tido inspiração para acender durante o jantar e uma nova garrafa de champagne, Tetê caiu num choro lento, demorado, sentido, dolorido. Vasculhou sua mente e não localizou um momento anterior da sua vida, em que tivesse chorado desta forma.
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Relembrou as loucuras dos primeiros encontros, as sensações maravilhosas que eles dividiram juntos, as risadas, as loucuras, os apertos, as saias justas. Lembrou de três anos de dedicação por um homem que sequer sabia que ela existia. Lembrou do quanto ele era dominado pelas mocinhas bonitas, pelas adolescentes esquisitas e cheias de espinhas, pelos hormônios, pela super-mãe, pelas aparências, pelas opiniões, pela urgência de viver a vida feito um adolescente.
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Ele era, sem dúvida, um ser não somente esquisito mas em estado permanente de sumiço. Ele sumia aos poucos, extremamente desalinhado do mundo e distante da coerência, pressionado por valores e indivíduos dos quais era dependente, de uma forma ou de outra. Ele era um ser que precisa se entregar a qualquer um que o pressionasse, para que pudesse enfim, sair correndo dali. Ele vivia em busca de justificativas e incentivos para seus sumiços. Ele implorava para ser colocado na parede, pois só assim conseguia sair com a consciência tranqüila e jogar a responsabilidade dos finais nos ombros alheios. Ele coloca o próprio cérebro e o próprio corpo nas mãos do outro, sempre, e seduzia a todos para que o apertassem. Então, olhava bem dentro dos olhos do outro e dizia:
- Eu avisei que odiava ser pressionado. Você arriscou e me perdeu, estou indo embora por sua causa.
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Tetê visualizou o cérebro dele, o corpo dele, a lembrança dele e o amor que sentia por ele exatamente assim... sumindo, sumindo aos poucos e com um silêncio apertado, sufocante. Um silêncio que ela não estava sabendo trabalhar.

sábado, novembro 24, 2007

Fazendo murchar uma flor de plástico

Tetê saiu com umas amigas. Começaram o programa visitando uma exposição que prometia ser badalada, e dali iriam para um restaurante.
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Na chegada, Tetê avista seu funcionário... com a amiguinha... Foi uma grande descoberta! A menina era bem pequena mesmo (inclusive na altura). Tinha uma camiseta curtinha mostrando a barriga, uma calça boca de sino (será que é assim que chamam isso atualmente??? Na época do hippies, era) arrastando no chão e com a barra imunda. Os cabelos mais vermelhos do que aparentavam ser na foto e, pasmem: uma flor de plástico no cabelo. Exatamente isso!!! Uma flor de plástico, daquelas de vasos de R$ 1,99 ou de bebedouro de beija-flor, pregada no cabelo. Tetê acha que viu um piercing no nariz também.
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O vexame foi eminente. Sem conseguir explicar para as amigas o que estava se passando, começou a rastrear a galeria com os olhos desesperadamente a procura de um banheiro. Seu estomago lhe enviava mensagens ininterruptas de que não poderia agüentar muito tempo... e parece que foram horas arrastadas até que ela conseguisse perguntar a alguém onde ficava o maldito banheiro.
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Saiu de lá aliviada, mas ainda um pouco mareada e atônita. Tentando ser discreta, pedia as amigas para ir embora mas elas pareciam estar se divertindo. Até que chama uma delas e avisa:
- Tá vendo aquela flor de plástico ali? Ou vocês vão embora comigo agora ou eu vou fazer aquela coisinha murchar embaixo do salto da minha Victor Hugo! E estou falando sério.
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Como convém a um grupo coeso de pesquisadores do CNPq preparando um relatório para a NASA, uma amiga olhou para a outra, que olhou para a outra que olhou para a quarta, e apontaram a porta da rua com o canto dos olhos. Em questão de segundos, estavam ajudando Tetê a liberar o resto que havia sobrado em seu estômago, encostadas numa Kombi verde-limão no meio rua... e nem ao menos acharam um Mercedes... talvez, a Kombi verde-limão fosse o item que mais combinasse mesmo com a punk funk rock de flor de plástico murcha no cabelo! E este conjunto hilário acabou representando tudo o que Tetê não queria para a sua vida.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Punk, funk, rock e & Ltda.

Não. Não dava mais meeeesmo. Tetê voltou ao Orkut mais calma no dia seguinte e se arrependeu de ter estimado as melhoras da menina. A menina tinha cabelo vermelho (não ruivo, pintado na cor vermelha mesmo), uma franja de um dedo de comprimento logo após o final na testa, um rostinho vermelho infestado de espinhas e um óculos vermelho. E Tetê sempre foi simpática ao comunismo, não era preconceito, não. Aliás, respeitava essas "tribos" modernas, com certeza! Ela mesma havia usado colares de flores e roupas coloridas e saía com os dedos em V exatamente como na música quando era jovem. Então, lógico que outras mocinhas de agora tinham outros modelos.
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O que Tetê não concebia é como o ser esquisito estava com ela e com aquela punk ou funk ou coisa que o valha, ao mesmo tempo. Ah, e com uma outra também, que Tetê não conhecia – e rezava aliás, para não conhecer mais nada nem ninguém que dormisse com ele.
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Tetê queria entender como ele podia aceitar um convite dela para um bom restaurante, se comia cachorro quente no carrinho de rua com a funk punk. Como apreciava suas camisas de seda, se saía com a rockeira de camiseta Hering. Como curtia sua Victoria's Secret se a punk funk usava "roupinhas de baixo" de algodão, como ligava para o seu celular Dolce & Gabbana se a outra tinha um aparelho pré-pago e era, como dizia uma grande crítica de arte amiga de Tetê, era um passo para o desentendimento.
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Tetê sentia que estava perto da solução do problema. A decepção desta vez tinha sido enorme e ela entendeu que se continuasse naquela situação, viveria uma coisa cada vez mais degradante e estaria cada vez mais exposta ao ridículo (e a possíveis perigos, sabe-se lá!). Ouvia a música Nada Mais o dia inteiro e a colocou como chamada de seu Dolce & Gabbana. Toda vez que alguém ligava ela ouvia Desta vez doeu demais... Amanhã será jamais...
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E a grande maravilha estava acontecendo, finalmente! O celular não parava de tocar, dia e noite, noite e dia. E o Desta vez doeu demais... Amanhã será jamais... se tornou mais recorrente na vida de Tetê do que a imagem demoníaca do msm. Será que desta vez ela conseguiria se soltar de uma canoa cafona e voltar para um Eugenio C da vida? Tudo indicava que sim!!! Desta vez doeu demais... Amanhã será jamais...

terça-feira, novembro 20, 2007

Possuída pelo demo (vulgo msm)

O ser esquisito ensinou Tetê a instalar o tal Messenger. Isso foi bem lá no início, logo após o aniversário. Não foi muito porque quisesse se comunicar com ela, mas porque ela contou que uma grande amiga estava morando em Paris e elas gastavam horrores com a conta do telefone. A conta de telefone da Tetê diminui, porém... de forma inversamente proporcional à sua paz de espírito. Tudo por causa do msm.
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Nos bons tempos (em que ele aparecia para dormir), ela entrava todo dia e ele estava lá, on line. Ele nunca a "chamou" para conversar, e quando ela tentava, ele logo colocava aquele maldito sinalzinho de ausente. Mas, em última instância, ele estava lá.
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Depois do xeque mate, ele começou a "chamá-la" sem o sinalzinho de ausente. Lógico que se viram novamente, muitas outras vezes, sempre escondidos da super-mãe. Parece que haviam aprendido a lição e agora mantinham sua intimidade em absoluto segredo. Nada era tão ardente como no início, mas continuava muuuuuito bom. E Tetê estava mais calma, parecia mais feliz e mais centrada. Ninguém sabia que ele estava por trás de sua felicidade novamente.
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Até que naquele espaço de digite uma mensagem pessoal dele, começaram a aparecer algumas coisas esquisitas: se eu ainda pudesse fingir que te amo... (ué, ele nunca amou, quanto mais fingir!), valeu a pena.... (o que poderia ter valido a pena se eles não haviam se visto nos últimos dias?), intenso... (intenso uma ova! O que poderia ser intenso se ele não aparecia há duas semanas???). Tetê não saía mais da frente do computador e daquela tela horrorosa do msm. Acordava e voava cambaleando para o notebook antes do café da manhã, despertava de noite para ligar o computador e estar conectada era a obrigação mais importante do dia ao chegar no escritório. O msm a perseguia como a mais recorrente das idéias que qualquer paciente psiquiátrico poderia ter experimentado, nos mais severos surtos.
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Tetê descobriu a destinatária das mensagens da pior forma possível!!! Um funcionário pediu para conversar com ela. Contou que uma amiguinha sua namorava o ser esquisito. Que havia ficado furiosa pois descobriu que ele tinha outra – e o pior, a outra não era a Tetê!!! Era outra mesmo. E que as duas tinhas se encontrado e colocado o ser esquisito na parede. E que ele, lógico, havia se esgueirado, se escondido numa sala e não falou com nenhuma das duas. Agora, andava atrás da amiguinha dele implorando para voltar, se dizendo arrependido.
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A primeira reação de Tetê foi ficar penalizada pela menina. E seu funcionário, para reforçar a "injustiça" que o ser esquisito havia cometido com sua doce amiguinha, entrou no Orkut para mostrá-la a Tetê e perguntar se ela achava que aquela carinha meiga merecia passar por um trauma destes...
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Tetê tentou confortar o funcionário e mandou uma recadinho de "estimo as melhoras" para a amiguinha dele. Esperou que ele saísse, olhou mais uma vez para as fotos daquela carinha meiga e, do Orkut migrou para o Google rapidamente – numa pesquisa desesperada e urgente: EXORCISMO JÁ - QUALQUER MÉTODO É VÁLIDO.

domingo, novembro 18, 2007

Xeque Mate

Não dava mesmo para continuar daquele jeito. As rugas já gritavam, os olhos sempre enormesde tão inchados, as roupas sumiam no corpo (Tetê é daquelas que param de comer quando sente dor). Andava distraída, displicente com as exposições, desligada de tudo e de todos.
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Tetê imaginava o que podia se passar pela cabeça dele desde o dia do escândalo telefônico que protagonizaram. E ficou com uma pulga atrás da orelha: será que realmente ele disse para a mamãe que estava cansado dela? Afinal, ela não deixou esse homem falar nem uma palavra quando ligou xingando. E resolver perguntar diretamente, sem rodeios.
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Telefonou para ele (ele quase morreu de susto, possivelmente esperando ser xingado ainda mais, mesmo depois de tantos meses). Pediu para conversar pessoalmente e ele foi até o escritório de Tetê na mesma tarde. Negou tudo. Disse que não havia motivo para não despachá-la (isso mesmo, foi esse mesmo o termo que ele usou), se realmente quisesse isso. E Tetê achou muito coerente tudo o que ele disse, pela primeira vez. Ele estava (parecia...) mais maduro, mais sério. E por incrível que pareça, ela não sentiu arrepios ao vê-lo. Ela o entendeu e acreditou que a "urgência psíquica" pela qual passava, havia acabado. Afinal, a mágoa não era com ele, mas com a super-mãe.
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Dormiu aliviada, suave como um anjinho nas nuvens. Foi invadida por pensamentos relaxantes, pela retirada de um peso de seu coração: ela não havia sido rejeitada, ele não havia se cansado dela. E ela até havia pedido desculpas por tantos palavrões que ele nem precisava ter ouvido! O mundo era belo e fofinho novamente, ela se sentia renovada peloa perdões concedidos (os dois haviam se perdoado mutuamente, jurado amizade eterna e se abraçado de maneira fraternal). A vida era novamente azul e rosa! A maturidade havia voltado, a alegria, a maciez do outono, as cores do arco-íris, as borboletas translúcidas voando, a meiguice, as libélulas transparentes, as plumas macias e a ternura batiam à porta novamente! Tetê não tinha mais esse homem, mas era pura e limpa outra vez!!!
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Deve ter dormido uns 30 minutos... e pulou da cama enfurecida: como aquela desgraçada daquela super-mãe podia ter feito isso com ela? Tinha que matá-la! Furar os seus olhos! Tirar suas unhas com pinça! Martelar sua cabeça! Jogar gasolina naqueles cabelos e riscar um fósforo!!!
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Não dormiu mais. Vestida para matar, saiu antes do amanhecer e foi até o escritório. Respondeu alguns e-mails, deixou instruções para a nova secretária (beeeeeem alta, pra não lembrar a anãzinha) e voou para o escritório da super-mãe. Ligou da esquina para se certificar que ele também estava lá e entrou em chamas naquela sala de reuniões. Disse que estava ali para colocar os dois frente à frente e dar o xeque mate: quem estava mentindo, afinal? Não demorou nem 5 minutos ali...
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A super-mãe, olhando-a com fúria, confessou que havia inventado tudo aquilo. Na frente dele, ela confessou!!! Ele não fez nada. Ela não pediu desculpas. Justificou somente que sempre achou melhor ver os dois separados, para que "nenhum dos dois" sofresse. Tetê disse que não precisava ouvir mais nada e saiu de lá. Absolutamente perdida pela cara de pau da super-mãe e pela falta de atitude dele.
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Mais uma vez, Tetê jurou para si mesma... que estava tudo de-fi-ni-ti-va-men-te acabado.

sábado, novembro 17, 2007

Justa Causa

Os meses se passavam e a tristeza de Tetê não diminuía. A saudade apertava a cada dia e ela não tinha mais notícias. Pediu à super-mãe que não tocasse mais no nome dele e jurou que nunca mais olharia para algo que não remetesse a uma extrema normalidade. Dali para a frente, tudo o que tivesse cabelo comprido e fosse diferente despertaria nela um alarme movido a energia solar, ultra-som ou qualquer outro meio físico que fosse!
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Os vernissages se seguiam, ela brilhava profissionalmente como sempre, tentava mostrar uma alegria constante, mas na realidade tudo o queria era acabar rapidamente com esses doloridos contatos com o mundo exterior, voltar para sua casa em silêncio e chorar. O mundo passou a achar que ela andava com TPM constante, ou resfriada, ou com enxaqueca recorrente – afinal, todos notavam que ela não era mais a mesma.
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Em um determinado vernissage, uma garota se aproximou e disse que estava procurando emprego. A menina era bonita, bem arrumada e Tetê, que havia perdido sua secretária uma semana antes, não arrumava tempo para recrutar outra. Deu um cartão e pediu que a moça a procurasse no dia seguinte, quando olha para a porta e vê o ser esquisito entrando!!! Como se nada tivesse acontecido. Ele se aproxima, cumprimenta, dá parabéns pela exposição e diz que vai dar uma circulada, que depois se falam.
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Sentindo-se iluminada, Tetê passa o resto da noite simpaticíssima com todos e de olho pregado no ser esquisito. Que – por sua vez – passou a noite pregado na menina que ela contrataria no dia seguinte...
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Quando os convidados começaram a ir embora, ela vê a menina anotando algo num pedaço de papel. Só podiam estar trocando telefones. E os dois se aproximam dela, juntinhos e sorrindo. Ele diz:
- Que legal, a Aninha me contou que vai trabalhar com você, ela é ótima! Posso te levar pra casa?
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E a tal Aninha diz em seguida, toda derretida:
- Imagine! Ele é que é ótimo! Posso te ligar amanhã então, pra começar na próxima semana?
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Tetê, roxa de raiva, responde simultaneamente:
- Você vai levar esta anãzinha pra casa, que faz mais o seu tipo de papa-anjo.
- E você, está despedida.
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A sorte foi passar por ali na mesma hora um casal conhecido que ouviu o diálogo, puxou Tetê pelo braço para fora da Galeria e a levou ao Ile de France para afogar as mágoas em duas garrafinhas de Veuve Cliquot e muitas lágrimas.

quinta-feira, novembro 15, 2007

O candidato a yuppie e a coroa enxuta

O mundo verdadeiramente tinha acabado e Tetê sentia o peso deste final. Dormia e acordava chorando, não queria sair da cama, não queria comer, não queria falar com ninguém, não queria trabalhar. A super-mãe não parava de telefonar e de dizer o quanto se sentia culpada por ter "falado demais". Mas isso não importava, o que doía era ficar sem ele. Os motivos não mudavam o fato.
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Uma semana depois do desastre, a secretária do ser esquisito telefona e convida Tetê para sair. Estranho, mas o que não era estranho naquela situação? A menina tinha uns 22 anos aproximadamente e por alguns instantes Tetê pensou que um ar de juventude pudesse lhe fazer bem. Marcaram num barzinho, extremely young. Escuro, escuro, escuro, num porão... rock, rock, rock e muito whisky nacional. Tetê pediu uma cerveja, depois outra, depois outra. A música e o ambiente lembravam o ser esquisito: todo mundo de cabelo comprido, roupas muuuuito casuais, todo mundo "doidão". A menina disse à Tetê que um amigo estava interessado em conhecê-la, e Tetê concordou. Concordava com tudo naquele estado de embriaguez estúpida em que estava.
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O garoto chega perto dela, faz um cumprimento esquisito com as mãos estaladas no ar, e solta um e aí, mana, como é que tá? Tetê diz que está ótima, pede desculpas e levanta. O garoto pergunta aonde ela vai, e como não tinha muito lugar para ir naquele porão, ela diz que vai ao banheiro. O garoto se oferece para entrar com ela!!! Tetê dispensa o que considerou um cuidado geriátrico absolutamente desnecessário, entra num banheiro horrível e decide que precisa sair do porão naquele instante.
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Volta para a mesa para se despedir e pagar a conta, mas o garoto já tinha pago as trocentas cervejas consumidas, e oferece uma carona. Tetê olha mais atentamente aquela coisa jovenzinha: ele era um estudo de yuppie. Um encarada de cima a baixo revela (pelo menos!) uma calça Ellus e uma camisa da Triton. Menos mal... e Tetê aceita a carona. O que ela tinha a perder?
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O candidato a yuppie pergunta se pode subir. Pode. No elevador, pergunta se pode dar um beijo. Pode. Mas no fundo não pôde não, pois Tetê começou a sentir a cerveja embolando seu estômago. Entra em casa feito uma louca e vai direto para o banheiro, naquela situação em que perua alguma quer ser vista, nem em caso de vida ou morte. Mas o menino, bonzinho, entra no banheiro e segura sua cabeça!
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Tetê agradece, pede desculpas pelo vexame, diz que ele é uma gracinha, mas que seria melhor esquecer tudo aquilo e tenta mandá-lo embora. Ele não quer ir. Tetê explica que é muito velha pra ele, que ele merece coisa melhor. Ele não quer ir. Tetê explica (desenha...) que está muitíssimo enjoada e que qualquer coisa que necessite de "movimento" não daria certo naquele momento, quem sabe outro dia. Ele não quer ir. E, muito seriamente, ele balbucia:
- Você é uma coroa enxuta, e meu sonho é ter uma namorada assim, que more num apartamento assim, bonito como este.
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Tetê se irrita, manda o menino para o inferno, deita na cama com aquele magnífico terninho de seda branca (já destruído) e pega no sono. Abre os olhos com o sol entrando pela janela e lembra da noite anterior, gargalhando sozinha. E morre de susto: no seu chão de cerâmica branca e fria, aos pés da sua cama, todo enroladinho em posição fetal, está o garoto!!! Só havia uma coisa a fazer e Tetê fez com todo o rigor... amassadíssima naquele terninho ex-branco, cutucou o garoto com o pé até ele acordar. E disparou:
- Coroa enxuta é a sua vovozinha. E voe para a sua casa, antes que eu ligue para a sua mãe!

segunda-feira, novembro 12, 2007

Super mãe, finalmente, aciona o detonador

Pré-feriado, 6 de setembro. Ele havia prometido ir a um show com ela, uma semana antes. Ela liga no final da manhã para confirmar o horário e ele disse que não sabia do que ela estava falando.
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No meio da tarde, ele telefona e ela não quer falar.
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Onze da noite, a super mãe telefona. Conta que conversou com o filho no jantar, e ele foi muito claro: achou uma delícia Tetê ter esfriado com ele. Era tudo o que ele precisava, pois não agüentava mais a insistência dela.
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Tetê virou um bicho. Disse o diabo para a super mãe e tentou o celular dele. Ele não atendeu. Nem no dia seguinte, nem no outro, nem no outro, nem no outro. Até o dia 10 de setembro "mamãe" ligava tentando consertar tudo, dizendo que Tetê estava entendendo errado. A cada ligação, Tetê ficava mais enfurecida. No dia 11, ele atendeu o celular, meigamente. Tetê juntou todas as frustrações acumuladas em dois anos e a última informação da super-mãe. Aos berros, desencontrada, destemperada, sem pudor. Cuspiu todas as palavras e todos os palavrões, xingou a mãe e a décima quinta geração dele durante longos vinte minutos. E ele... nada! Só pedia para ela se manter calma! Como se tudo aquilo não fosse com ele!
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No fundo, o que mais descontrolou Tetê não foi o fato de ficar sem ele ou a possibilidade de que ele pudesse cair fora (ele nunca caiu dentro!), mas o fato de ele ter dito que ela era insistente. Ela???!!! Que nunca perguntou, nunca cobrou, que não ligava nunca, que não pedia, que só se doava e só proporcionava os melhores jantares, os melhores vinhos e champagnes, os melhores programas!!!
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Ao desligar o telefone, ela ainda lembra de ter dito que a mágoa maior foi segurar uma frase durante esses dois anos. Para afungentá-lo ainda mais, ela agora podia dizer sem ressalvas o que certamente o faria nunca mais andar pela mesma calçada que ela... Tetê, finalmente, disse eu te amo. Desligou e sentiu, nitidamente, que aquela dor demoraria muito para passar.

domingo, novembro 11, 2007

Reunião de cúpula com pedigree

Uma luz no fim do túnel: Roger ligou, pediu desculpas, disse que embora estivesse quaaaaase desistindo dela, queria conversar mais uma vez, desde que fosse com mais duas outras pessoas junto, e ela deveria se arrumar muuuuuito pra sair com este trio.
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Ótimo! Era tudo o que Tetê precisava: o amigo de volta e se vestir como elegância! Marcam um encontro para o dia seguinte, mas Roger queria levar as duas outras pessoas ao apartamento dela. Tetê dá instruções detalhadas para a empregada, compra flores e "prepara" (encomenda no bom e velho restaurante Old West) uma mesa linda.
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As oito em ponto o interfone toca e Roger avisa que está subindo com os convidados. Tetê revisa rapidamente a mesa (perfeita), as flores (perfeitas), as velas (perfeitas) e ela mesma – perfeita no jeans Dolce & Gabbana e na camisa básica Elle et Lui. Abre a porta e quase desmaia: ao lado do Roger, os dois ex mais incríveis de sua vida: o cientista e o deus grego.
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Quando Roger percebeu que a amiga estava perdida e que era um peso demasiado para ele, procurou pelos dois. Foi uma noite linda, eles já estavam a par da situação toda e a aconselharam do início ao fim. Roger havia feito um relatório completo, eles sabiam de tudo, sabiam do cabelo do ser esquisito, da mamãe, das outras mulheres, da rejeição, do docinho!!! Ela começou a se sentir melhor quando eles relembraram todas as situações deslumbrantes que viveram juntos, o quanto ela era importante até hoje na vida deles, o quanto ela era maravilhosa, alegre, divertida, intensa. Tudo correu muito bem até que eles a colocaram na parede: o que ela faria no dia seguinte para acabar com essa gente indesejada na sua vida?
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Tetê não soube responder. Tentou explicar que era difícil acabar assim "de uma hora para outra", que não tinha coragem de nunca mais ver o ser esquisito, do quanto se sentia bem com ele nos últimos dois anos (se bem que, juntando todos os dias que passaram juntos, talvez não somasse um mês). Ela sentiu nos olhos dos três a decepção crescendo. Houve um longo silêncio na sala e Roger levantou, chamando os dois para ir embora, já que não havia adiantado nada todo aquele esforço. Mas pediu que Tetê os acompanhasse até o carro, pois havia um último presente. Um último presente e dois cartões... o presente seria dela de qualquer maneira no final, mas o cartão seria escolhido no último instante, pois dependia do posicionamento que ela tomaria.
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Eles descem ainda em silêncio, Tetê envergonhada. Eles abrem o carro de Roger e lá está uma caixa cheia de furinhos no porta mala, com dois cartões. No primeiro, escrito "sim". No segundo, escrito "não. Roger, depois de abraçá-la, lhe entrega a caixa e o cartão escrito "não". Ela olha para o cientista, olha para o deus grego, e sobe com a encomenda.
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No cartão, a frase: "Se você quer algo feio, esquisito e capaz de lhe afastar de tudo e de todos, pelo menos, que tenha pedigree".
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Na caixa, um filhote de bulldog assustado e trêmulo, olha para ela e começa a chorar.

quinta-feira, novembro 08, 2007

O infinito é ridículo e precisa ser remodelado

Tetê contou ao Roger a história do docinho. Ele ficou uma fera, e disse que até Regina Duarte ele agüentava em nome dela, mas uma mulher burra.... isso nunca! Ela ficou arrasada, mas entendeu que para o amigo não havia outra opção a não ser sumir. Eles se amavam, a amizade dos dois era fortíssima e muito leal, mas ela entendeu o cansaço de Roger. Afinal, ele já não a reconhecia. Ele e a torcida do Flamengo, diga-se de passagem.
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Agora ela estava completamente sozinha. Não havia quem procurar e ninguém a procurava a não ser a super-mãe. De tão desnorteada e solitária, ela se entregou à amizade desta mulher que, ao menos, dizia se preocupar com ela. Ligava para Tetê o dia todo, perguntava, aconselhava, falava mal do filho, contava das outras com as quais ele estava saindo. Mas Tetê não tinha mais forças para gritar, para brigar, para implorar, para nada. Ela via o cerco se fechando, ele ainda ligava e aparecia por uma noite ou por outra, mas estava cada vez mais distante, mais frio, mais desinteressado.
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Ela sabia que o tamanho do buraco onde estava metida só aumentava infinitamente... Quando pensou no infinito, levou um susto: ela estava tão "deitada" quanto o símbolo do infinito. E se sentia uma tartaruga virada de pernas para cima – por mais que tentasse se levantar, só gastava energia e aquilo já estava ficando ridículo e sem um pingo de glamour. Entendeu que estava numa bagunça desgraçada e precisa urgentemente refazer alguns itens do cotidiano (e outros nem tão cotidianos, mas que incomodavam), tais como:
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Agenda telefônica, agenda diária, guarda-roupa de outono-inverno, advogado, diarista, secretária, amor, yakult, homem, amante, amiga, amigo, professor de metodologia científica, companhia gay com quem você vai ao teatro, cirurgião plástico, livro de cabeceira, caneca de café vermelha, psicanalista, vaso de violeta cor-de-rosa, moldura dourada, imã de geladeira, impressora jato de tinta, cd da leila pinheiro com música do guinga, decorador, correspondência comercial, ministro da cultura, cigarreira de prata, guaraná em pó, caneta de purpurina, ginecologista, colar de pérolas, alarme (inclusive os falsos), rádio-taxi, estilista, rejeição, celulite, fotografia de pai morto, cheiro de amor morto, grosseria de homem covarde (vivo), física quântica, resenha de livro babaca, saudade do yves saint-laurent, revista semanal de informação, caderno de cultura do Paraná, Paraná, xale espanhol, óvulos que não funcionam, óvulos que funcionam, Mont Blanc que não escreve, bombom da Copenhagen. Ufa! Ela estava pensando novamente!!! Conseguira pensar em várias coisinhas que não ele... era um bom sinal. Sinal que o infinito ainda podia ser revertido, só restava decidir como e quando!

terça-feira, novembro 06, 2007

Desapontando o Roger com um docinho

Definitiivamente, Regina Duarte tinha que sair da Tetê. Ela jurou que teria uma despedida dupla: da Regina e do ser esquisito. Mas para isso, teria que encontrá-lo mais uma vez....
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Sem a mínima chance de ligar para o celular daquele idiota, passa um e-mail lacônico. Ele responde! E marcam um encontro que ela jura, jura mesmo, que seria o último.
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Ele chega com uma caixinha de papelão na mão e Tetê se ilumina! Fosse o que fosse, dois anos depois de "freqüentá-la", ele trazia alguma coisa. Tetê esquece da depressão, do complexo de rejeição, das noites mal dormidas, dos dias cinzentos e se joga nos braços dele. Descobre, emocionadíssima, que na caixinha tinha um docinho. Que meigo! Esse homem era mesmo perfeito!!! Fazia dela gato e sapato, e justamente no dia em que ela decide mandá-lo embora para sempre, ele traz o que? o que? o que? Um docinho! Era a coisa mais gentil que um homem já havia feito. Danem-se os outros homens com seus presentinhos fúteis como anéis de brilhante, cruzeiro nas Bahamas e aquele natal em Nova York. Aquilo sim, na frente dela, é que era um homem de verdade, o resto... bem, era um resto.
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Tetê faz um café, coloca uma mesa linda, flores, velas, a louça linda (presente do deus grego), e sentam para o café. O docinho era maravilhoso, elegante, lindo, artístico, romântico, contemporâneo, e significava um compromisso, ela tinha certeza disso. Era óbvio que o docinho significava que ele a amava e que nunca mais a magoaria, nunca mais a faria chorar, entenderia sua tpm, sua fragilidade, sua depressão, seu ciúme. Imagine se um homem leva um docinho para uma mulher e não quer dizer todas essas coisas lindas!!!
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Enquanto saboreavam o docinho, ele colocou sua mão em cima da mão dela, com todo o carinho do mundo. Ela estava enlevada com aquele clima romântico e sua mente se dividia entre duas atitudes práticas que teria que tomar depois que ele dissesse eu te amo: trocar a cama por uma muuuuuito maior (afinal, ele passaria a dormir todos os dias lá, depois do docinho) e jogar fora metade dos seus vestidos e sapatos para dar lugar no guarda-roupa para aquelas lindas roupinhas puídas dele (porque, sem dúvida, depois do docinho, ele se mudaria para o apartamento dela).
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Ele também estava enlevado e quase sem palavras. A emoção que ele transmitia – ela podia sentir – parece que se materializaria em questão de segundos. Ela resolve ajudá-lo, pois é lógico que ele estava sem graça em dizer que a amava e que a assumiria daquele momento em diante, para o resto da vida. E pergunta, delicadamente, porque ele havia lembrado dela e trazido aquele docinho. Ele, ainda tomado pela emoção, gagueja e responde, hesitante:
- É que eu fui jantar com a minha ex. Ela esqueceu que eu não gosto de doce e pediu esse aí. Pra não magoá-la, mandei embrulhar. E pra não jogar fora, trouxe pra você.
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Tetê lembrou do Roger e caiu no choro. E o ser esquisito ali, apavorado, só conseguia perguntar porque ela estava chorando tanto:
- Foi alguma coisa que eu disse? Foi? Responde, Tetê, foi alguma coisa que eu disse?
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Como ela não conseguia responder, ele decidiu ir embora. Afinal, uma mulher que chora sem motivo, para ele, não servia pra nada.

sábado, novembro 03, 2007

Em busca da Leila perdida

Tudo bem que lembrar da noite em surto, hoje em dia, é charmoso! Mas na época Tetê estava arrasada. Com tanto homem no mundo pra ela aprontar, ela pegou logo um psiquiatra! E o cara ainda diagnostica o surto ao invés de proporcionar uma noite irresponsável... alguma coisa não andava bem...
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Apesar de se sentir isolada e de não procurar os amigos porque morria de vergonha de ter caído numa cilada básica da vida, Tetê toma coragem e liga para aquele famoso amigo gay que toda mulher como ela tem na agenda: um cara lindo, compreensivo, gentil, inteligente, bem sucedido, bem humorado, perfeito em tudo (inclusive, perfeito por ser gay). Os dois marcam uma saída e ela se abre. Conta tudo, como se sentia humilhada, sozinha, perdida, precisando de colo, como estava fragilizada, como queria aquele homem imbecil, incapaz até de ser solidário num momento como este.
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Roger escuta paciente, passa a mão na cabeça da amiga, relembra como ela sempre foi forte, como ela driblou os problemas de cabeça erguida. Lembra dos homens avassaladores que Tetê já teve ao seu lado, dos presentes magníficos, das grandes viagens, das festas deslumbrantes. E principalmente, de como Tetê saía com classe das relações quando simplesmente enjoava delas.
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Tetê não parava de chorar, e Roger cada vez mais impaciente. Absolutamente nada do que ele dizia parecia aliviar a dor da amiga, agora com o rímel chegando perto dos lábios... Já estavam na segunda garrafa de vinho, os garços já olhavam desconfiados, quando Roger, numa última e desesperada tentativa, avisa saltitante que dali pra frente as coisas mudariam: ele acaba de conferir o cardápio e achar petit gateau de sobremesa!!! A vida estava salva!!! Tetê nunca resistiu a um belo prato de petit gateau!!! Mas Tetê recusa a sobremesa, para surpresa do amigo que, neste momento, entendeu a dimensão da tragédia.
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Noite perdida por noite perdida, Roger levanta em pânico, coloca as mãos na cintura e rebolando, aos berros, setencia:
- Não sei mais o que fazer, Tetê! Você sempre foi minha Leila Diniz e agora está aí, afundada numa Regina Duarte e sem rímel à prova d'água! A minha vida acabou e não a sua!
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Pela primeira vez nos últimos meses, Tetê deu uma gargalhada. E percebeu que a desgraça do amigo em conviver com uma Regina Duarte era bem maior que a sua. Nesse momento ela decidiu ajudá-lo a reencontrar a Leila de qualquer maneira, esquecendo a sua própria desgraça!!!

terça-feira, outubro 30, 2007

Victor Hugo: de objeto de desejo à delator

A noite chegou! Ele sempre mencionou um restaurante freqüentado pelo irmão. Dizia que era muito gostoso, bem freqüentado, uma comidinha ótima, um ambiente excelente. Tetê sempre quis conhecer, mas ele nunca a levou. Óbvio! Se o irmão ia, podiam se encontrar por lá e como ele explicaria uma mulher levada por ele a um restaurante tão maravilhoso?
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Tetê sabia o endereço do restaurante, e decidiu ir até lá sozinha, conhecer o irmão e a trupe toda, e seduzir um deles. Seria a vingança! Mas as coisas tomaram outro rumo...
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Ela já entrou no restaurante chamando a atenção de todos. Sorte! Havia um balcão logo na entrada. Como se estivesse em plena New York City e isso fosse a coisa mais natural do mundo (isso em Curitiba é impensável!!), ela sentou sozinha no balcão e pediu um bourbon sem gelo. O copo ainda estava chegando nas mãos do garçon, quando ele vê se aproximar um homem lindo, num terno maravilhoso e com um meiguíssimo Patek Philip capaz de fazer o punho mais rude parecer uma nuvenzinha de algodão...
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O diálogo foi curto e objetivo:
- Você está sozinha?
- Agora não estou mais.
- Posso te fazer companhia e me sentar aqui?
- Companhia, tudo bem. Mas aqui??? Você não consegue pensar num lugar melhor???
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No carro dele, Tetê mente que é telefonista de um consultório odontológico e que se chama Carol... Tudo para parecer simples e não deixar pistas. Enrola e pergunta se ele é arquiteto, afinal ela buscava o irmão do ser esquisito ou a turma dele, todos arquitetos. Ele era psiquiatra...
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Quando entrou no apartamento dele, Tetê perdeu o fôlego com as obras incríveis já a partir do hall. Espontânea e descuidadamente, comentou que aquela máscara de Guto Lacaz era de uma fase mais antiga. Ele perguntou como ela, uma simples telefonista, conhecia Guto Lacaz. Ela, engasgada e roxa por ser pega mentindo, inventou que seu "chefe" tinha uma daquelas!
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No meio da noite ele oferece algo para comer. Ela pede leite e biscoitos!!! Ele demora pra caramba, volta com o leitinho e uns biscoitos de chocolate, e ela resolve ir embora. Prefere chamar um táxi de seu próprio celular tentando não deixar pistas sobre a central que utilizava e voa para casa, num misto de vitória e arrependimento. Uma experiência como esta havia exigido uma coragem além do que ela imaginava ter.
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Entra em casa e seu celular toca, alguém pergunta quem é e ela responde que é a Tetê. E vem a sentença:
- Eu sabia. Além de ser psiquiatra e ter entendido seu leite com biscoitos, você deixou sua Victor Hugo autêntica no meu hall. Acha mesmo que eu não abriria, não ligaria do seu celular para o meu para gravar seu número, e não tentaria conferir depois? Se quiser conversar, estou às ordens!
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Bem, Tetê não se vingou mas é amiga deste homem até hoje! Jantam juntos uma vez por mês, trocam confidências, dão risada de tudo o que aconteceu e pensam em lançar um livro sobre como não deixar pistas quando se quer aprontar de monte por aí. Victor Hugo, quem diria...

sábado, outubro 27, 2007

A certeza ou indo direto ao ponto (de interrogação...)

Daquele aniversário para cá se passaram 2 anos. Durante o primeiro ano Tetê teve este homem por muitas vezes, sempre quando ele quis. Ela também tentou "querer" algumas vezes e não deu certo. Ligava para o celular e ele não atendia, até que ela lembrou que quando estavam juntos e o celular tocava, ele também não atendia... Percebeu logo que não havia uma outra, mas várias outras.... Neste ponto, a super-mãe tinha razão.
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O mais difícil de encarar no ser esquisito era o desleixo e o défict de atenção com que ele levava a vida. Por vida, entenda-se não telefonar a não ser que quisesse sexo, acordar de manhã e não escovar os dentes (que também não haviam sido escovados antes de deitar), não entender o que significam datas (aniversário dela, de namoro, do primeiro beijo), chegar num lugar onde ela estivesse e cumprimentá-la de longe só chegando mais perto no final da noite para ir pra casa – dela – quando ninguém mais poderia deduzir que eles estavam juntos, nas segundas-feiras contar tudo o que havia feito no final de semana (porque jamais passaram um final de semana juntos).
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Tudo acontecia porque Tetê colocou na cabeça que podia se bancar. Aturava tudo porque dormir abraçada com aquele homem que não soltava pêlos era ótimo, e ela tinha certeza de que ele ainda iria se apaixonar. Afinal, ela nunca cobrou nada, nunca telefonou (Lembram? Ele não atendia mesmo...), nunca perguntou, nunca demonstrou o que queria, nunca disse do que precisava.
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Ele se mostrou sensual em todos os encontros (que ele marcava, geralmente depois das 11 da noite). Divertido, bem humorado, de bem com a vida. Nunca encaixou Tetê em nada: seus amigos, seus programas, seu trabalho. Ela achava verdadeiramente que estava tudo bem: usava e era usada, o que caracterizava uma relação moderna... Ela achava!
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Viveram situações hilárias, gostosísimas e as vezes constrangedoras nas poucas vezes em que saíram juntos – como no dia em que estavam dançando numa boate gay, absolutamente bêbados, e ele resolveu abrir a camisa por causa do calor, causando em Tetê a sensação de que teria que sair no braço com todos os homens do salão, ou quando, num pub, ela retorna do banheiro e encontra uma adolescente sentada em seu lugar (ele tem loucura por adolescentes! Tetê nunca entendeu como o juizado de menores ainda deixava solta uma ameaça como essa!).
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As interferências meigas da super-mãe se intensificavam a cada dia. Tetê fazia de conta que não estava nem aí, mas sozinha, de madrugada, começava a se sentir incomodada e deprimida. Como ela, tão descolada, se permitia passar por tudo isso? Um homem mal resolvido que não tinha a mínima intenção de assumi-la, de levar uma vida mais estável, e uma louca enchendo o saco o dia inteiro, falando mal do próprio filho, tentando afastá-los em nome de um chavão babaca tipo me preocupo com você, falo porque sou sua amiga?
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Tetê tentou todas as fórmulas para largar o ser esquisito e sua mamãe dominadora. Os ataques se tornaram tão intensos, ele se tornou tão instável, que ela desmontou. Chorava o dia inteiro, a noite inteira, se afastou de todos os amigos e não imaginava a vida sem ele. Ele, obviamente, sentiu e fez o que qualquer idiota faria: esfriou! Esfriou tanto que chegou a dormir na sala uma noite inteira. Tetê se sentiu rejeitada e resolveu dar o troco, na moeda em que as mulheres conhecem bem....
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Amanheceu na Victor Hugo: um sandália e uma bolsa depois, deu de cara com uma camisa de babados branca des-lum-bran-te na Le Lis. A saia básica justíssima e com um recorte enorme do lado seria uma italianinha, do verão passado, mas que ainda servia!!! Almoçou no salão e saiu com luzes e uma fantástica escova de chocolate. E esperou a noite cair...

quinta-feira, outubro 25, 2007

Hiroshima & Nagasaki. No mesmo dia

Tetê passou o dia encantada depois que ele saiu. E ele saiu simplesmente, sorrateiramente, civilizadamente. Nada mais. Nada mais. Deu tchau e pronto. Nem uma palavra, nem uma alusão a noite que tinham passado, nada mais. Nada mais. Hum... lógico que não haveria uma segunda vez. Ele foi tão lacônico que Tetê não conseguiu sequer ter uma noção clara de que, ao menos, ele havia achado agradável. Mas ela achou agradabilíssimo, adorou a noite, a comemoração e ponto final. Ui. Ponto final, agora? Logo agora? Com este começo tão gostoso? Mas era isso mesmo! Estava feito, ela estava decidida a não procurar e não esperar por mais nada. Tinha conseguido o troféu.
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Ui. Ui. Ui. Será? Será que não podia rolar só mais uma vez? Uminha??? Bem... havia uma maneira gentil de saber: ligar para a super-mãe. Com a voz mais meiga do mundo, Tetê liga para a super-mãe, dizendo que se sente na obrigação de contar o que houve, em nome da amizade que as duas vinham desenvolvendo. A super-mãe escuta, pergunta detalhes que ela, envergonhada, tenta aliviar. Pergunta daqui, pergunta dali, Tetê escapa aqui, escapa ali, e meia hora de papinho depois: TÓÓÓÓÓÓIMMMMMMMM. A primeira bomba cai sobre Tetê sem dó nem piedade! Mamãe desaba a falar: gosta muito dela, acha que ela é a mulher perfeita pra ele, que ficaria muito feliz em ver o casal junto, mas ela precisa saber toda a verdade.
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Ele é um sem vergonha, mulherengo, cafajeste. Sai com todas as mulheres e adora as mais novinhas. Nada passa por ele sem que ele "trace". Ele está traumatizado pelo casamento recém acabado (dois anos atrás...), e nunca mais vai levar mulher nenhuma a sério. Agora mesmo, ele sai com uma cliente e com uma vizinha. Mas mamãe acha que tem uma terceira na jogada. Mamãe ainda diz que não é para Tetê se sentir mal, muito pelo contrário! Ela só deveria esquecê-lo para sempre, mas não precisava se culpar pela noite em que, descuidadamente, havia "cedido" à tentação.
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Tetê se desculpa, engasga, gagueja, tem vontade de tirar com pinça, um a um, todos os cabelinhos de mamãe, mas consegue ser gentil a ponto de convidá-la para jantar num restaurante badalado, quando encontraria um grupo de amigos para festejar "como se deve" o seu aniversário. Desligado o telefone, desligada a Tetê.
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No restaurante ela está mais calma, junto com os amigos, tentando esquecer a primeira bomba. Quando chega a segunda bomba! Super-mãe e seu rebento. Ela faz questão de sentar ao lado de Tetê, na realidade, entre ela e o seu filhinho. E a noite segue assim. Ele olhando para a super-mãe a noite inteira, como que pedindo licença para comer, sorrir, levantar, cumprimentar alguém. Aliás, cumprimentou Tetê como se fosse a primeira vez que a visse.
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Depois da chegada de Nagazaki, não resta nada mais a fazer senão aquele pileque homérico! A família feliz se despede beeeeeeem cedinho e vai embora – ele bem quietinho, cabecinha baixa, atrás dela. E Tetê bebe até de madrugada, tendo que ser literalmente carregada para casa. Não lembra nem por qual dos amigos ou das amigas. Mas lembra da sábia decisão: distância desta gente! Distância da super-mãe que a havia derrotado, e distância do PHD (essa ela viu no fantástico: Pobre Homem Dominado).