segunda-feira, março 31, 2008

O Romance do Pavão Mysterioso. Origem, passado e presente



Tetê tinha uns 15, 16 anos, e uma turma de amigos imensa. Aquelas coisas de gente que nasce junto e pertinho, de pais que são amigos, de famílias que se freqüentam e freqüentam o mesmo clube e fazem seus filhos nadarem juntos na piscina e iniciarem as aulas de tênis meio, digamos assim, na marra. Mas das aulas de tênis e das piscinas para os bailes e botecos era um pulinho só, e a nova geração crescia e descobria a vida assim, sempre juntinha.

Filha única, Tetê tinha alguma coisa assim, meio "presa". Os pais morriam de medo de entregar a filhinha para qualquer marmanjo. Ela estava sendo criada para ser uma peruazinha e, desde a mais tenra idade, foi cercada do que havia de melhor e, na maior parte das vezes com duplicidade: os pais compravam os brinquedos que ela pedia sempre aos pares, pois se um estragasse, ela não precisava esperar reposições incômodas.

Sentindo-se uma princesa, Tetê conheceu o melhor também em literatura, artes plásticas e música. Ganhava discos e livros de todos os tipos e questionava as manifestações culturais como gente grande. Conheceu a literatura de cordel, e foi aí que começou uma grande paixão: os pavões. Clássico de cordel, "O Romance do Pavão Mysterioso" conta a aventura de João Evangelista, herói que abandona tudo para, à bordo de um pavão mecânico, ir da Grécia à Turquia libertar sua amada (Condensa Creuza) que fora trancafiada numa torre pelo Conde, seu pai.

Além de remeter ao fato das moçinhas que esperam seu príncipe encantado, a história teve também seu lado político já que, na tentativa de transpor barreiras voando de forma surreal, o herói podia muito bem transpor o AI5, vigente na época.

Sim, mas o que tudo isso tem a ver com Tetê? Ah, tem muita coisa sim!!! Na época em que a música Pavão Misterioso surgiu, Tetê tinha acabado de conhecer um herói. Que a libertaria da torre e a levaria pelos céus límpidos, numa viagem distante dos presos políticos e das aulas de tênis. Logo, logo, Tetê apelidou o príncipe de Pavão Misterioso. E a partir daí teve roupas, leques, chapéus, jóias, peças de decoração, sandálias e bolsas, tudo com penas de pavão. É a grande paixão de Tetê, até hoje – formas e cores do pavão.

Ah, sim... o rapaz? Depois de namorar a melhor amiga de Tetê e de não a convidar para os vôos mágicos pelos quais ela ansiosamente suspirava, sumiu no mundo. Possivelmente, na sua Brasília Vermelha (ele tinha uma, linda, nova, possante, brilhante... Brasília Vermelha).

A turma se dispersou como acontece com qualquer turma adolescente. Tetê sonhou com o Pavão Misterioso muitas vezes e lembrou da turma com carinho durante os últimos .... (número censurado) anos. Nos momentos alegres e nas crises, na primeira Louis Vuitton da virada para o ano 2000 (desesperada, pois se o mundo acabasse ou os computadores pirassem, ela tinha pelo menos uma belíssima bolsa), no 11 de setembro, no anúncio da despedida de Valentino das passarelas, quando perdeu o ser esquisito, quando fez sua primeira e bem sucedida exposição, a lembrança dessa gente que se amava incondicionalmente esteve presente.

E hoje, assim, do nada, Tetê atendeu o telefone. Era o Pavão Misterioso! Silêncio, susto, soluço, cigarro. Risadas, lembranças. Emoção. E um vinho agendado para a próxima quinta-feira.

quarta-feira, março 26, 2008

Uma pena cor-de-rosa e uma sombra charmosa no fim do túnel...

Viagem de verdade para Tetê tem que ser primeira classe e cinco estrelas. A única coisa capaz de afastá-la disso é a tal Ilha do Mel. Ela ia para a Ilha desde pequena com o pai, e aprendeu o valor de uma temporada de praia que não fosse Ipanema.

Apesar de ter problemas com o excesso de bagagem (uma mala sempre foi destinada aos livros, cremes hidratantes, protetores, frascos intermináveis, loções, poções, pilhas, lanternas, cadernos e canetas e outra mala para biquínis, lenços franceses – kangas de Bali... nunca!!! – chapéus, sandálias e outras milhares de coisas que ela nunca usava, mas sempre levava), Tetê se sentia bem naquele ambiente rústico e naquela pousada absolutamente sem glamour.

Ela não chegava a levar seu inseparável laptop, mas o celular era item obrigatório. Na pousada, o celular não dava sinais de vida e ela precisava andar 5 quilômetros para que aquele pequeno Dolce & Gabbana com sua capa de strass reencontrasse a funcionalidade. Nestas ocasiões, sentava na areia e respondia a todos os recados, educadamente.

Tetê acordava de madrugada, tomava um café reforçado e saia para andar. Andava. Andava. Andava. Andava horas seguidas por praias absolutamente desertas, munida de um aparelho de mp3, fone de ouvido e de um gás paralisante (nunca se sabe!). E relaxava. Procurava não pensar nos negócios nem nos problemas, mas como era uma pessoa que sempre tinha objetivos claros, mesmo no mais simples ato de andar, ela precisava de um norte. E seu maior objetivo nessas andanças era encontrar a pena cor-de-rosa. Nem adianta confundir com o pássaro azul de Maurice Maeterlinck: eram penas rosas mesmo! Ela as achava num determinado ponto da Ilha, e a cada temporada, aumentava em 15 ou 20 peninhas sua deliciosa coleção.

Desta vez tudo foi diferente. Tetê passou uma semana na ilha, mas só retornou UMA das dezenas de ligações de sua caixa postal, e ficou horas pendurada com o interlocutor, depois de andar os tais 5 quilômetros. E só achou duas peninhas rosas: uma guardou para a coleção e a outra... resolveu trazer de presente... para o destinatário da única ligação telefônica...

A coisa toda começou assim: na época em que conheceu o ser esquisito, Tetê conheceu também um outro homem. Ele era uma pessoa singular. Charmoso. Também com cabelos compridos, mais compridos até que os do ser esquisito. Só usava roupas pretas. Uma sombra... paradoxalmente, um lado iluminadíssimo de uma sombra.... famoso.... inteligente... sensível... sedutor... discreto... elegante... misterioso... bem humorado... acessível...

Obviamente que, durante muito tempo, Tetê se perguntou porque tinha escolhido o ser esquisito, em detrimento desta sombra iluminada... que agora, sem mais nem menos, estava retornando para um campo cheio de luz, bem ao alcance de seus olhos...

Ih... será, Tetê???

domingo, março 16, 2008

Delicada viagem

Tetê viajou. Uma inesquecível e estranha viagem para dentro dela mesma.

Durante um mês, se afundou em pilhas intermináveis de trabalhos atrasados. Não falou com ninguém, não saiu de casa, não respondeu recados, desmarcou todos os compromissos sociais. Chegou em casa cedo todos os dias, viu televisão, leu, pensou, tomou incontáveis banhos de banheira cheinha de velas, perfumes, espumas e com a companhia do bom e velho Jack Daniel's. Tomou a atitude cuidadosa e delicada de avisar ao deus grego que estava bem, mas precisava ficar só – e ele, cuidadoso e delicado, entendeu.

O que ela queria era reorganização total. Precisou criar tabelas, relatórios, reestudar hipóteses, reestruturar teorias, pegar no colo todos os seus sentimentos e reeducá-los. Um a um. E, principalmente, precisou colocar seu coração em paz. O turbilhão dos últimos três anos a havia esgotado física e emocionalmente. Ela tinha que administrar, inclusive, problemas de saúde. E resolveu colocar tudo em ordem de uma só vez. Era a cara dela isso tudo, essa forma de dar um basta no caos simplesmente mergulhando nele, pesquisando in loco o olho do furacão.

Cla-ro que a primeira coisa a ser resolvida internamente era "ele". E Tetê se dedicou ao assunto com seriedade total. Deu um salto mortal perigosíssimo no passado e se abandonou em todas as lembranças, por menores que fossem. Reviveu cada conversa, dormiu abraçada a cada fotografia, lembrou de todas as risadas, chorou novamente todas as lágrimas. Parecia um zumbi, desvinculada de tudo o que não estivesse ligado às lembranças dele. E em uma tarde qualquer, sem nenhum motivo aparente, entrou naquele esquecido msm e excluiu o nome dele. A noite, em casa, pilotando uma tesoura afiada, fez tirinhas lindas e uniformes de todas as fotos. De madrugada acordou e jogou no chão o travesseiro que abraçava religiosamente desde o último aniversário, como se fosse o corpo dele.

Acordou pela manhã se sentindo triste, mas talvez um pouco mais leve. Ela mesma estava cortando as amarras que a prendiam ao passado. Contabilizou calmamente as perdas, retirou do armário os esqueletos e sacudiu o tapete. Agora ela sabia que a cura estava próxima. Obviamente, foi ao shopping e deixou dois cartões de crédito à beira da morte. Mas o importante é que ela estava viva. E pronta para encarar o saldo. E o saldo era simplesmente o amor.

Tetê havia, tardiamente, descoberto o amor. Ela sabia que ele nunca entenderia isso, mas ela havia amado. Tinha a certeza de que durante todos os relacionamentos anteriores, havia negado esse sentimento estranho. Nenhum homem conseguiu chegar perto de despertar nela o que ele, descuidada e displicentemente, despertou. E ele não fez força alguma, não quis despertar nada além de umas divertidas noites com ela. Ele queria rir, e ela queria amar. Ele queria festa, e ela queria calmaria. Ele queria sexo, e ela queria afeto.

Agora ela entendia que, finalmente, não queria mais nada. Não queria. Nada mais a chamava para ele. Ela não tinha mais a urgência. Havia voltado a ser a antiga Tetê, pré-furacão (ou seja, ela mesma sendo o furacão). Havia retomado o controle que sempre permeou sua vida e suas relações anteriores, e se sentia pronta para abrir a porta novamente. Sem medo, pois já não corria o perigo de se entregar daquela forma que, até então, desconhecia (e que por sinal, O-DI-OU conhecer...)

Durante sua "viagem", várias vezes colidiu com as coincidências idiotas: pessoas amigas citavam o nome dele, conheceu uma outra mulher que estava saindo com ele, avistou-o de longe uma noite, obviamente, acompanhado. E torceu de verdade para que nenhuma outra passasse pela metade do que ela passou.

Tetê estava de volta. Dona de seu antigo controle, detonando cartões de crédito, começando a procurar os velhos amigos e aceitando convites para sair. Tudo nela estava rodeado de glamour novamente, de sons de risadas e boa música, de pessoas bonitas que jantavam em lugares bonitos e não se metiam em confusões e em incoerências emocionais, pessoas que já tinham passado pela infância e pela adolescência e viviam a vida com a leveza que só a responsabilidade pode trazer. Ela não tinha mais cheiros e cores do passado. Do passado, ela só trazia dentro dela os restinhos do susto que o tal do amor tinha pregado. E descendo do avião, de volta para casa, estava tranqüila com todos os presentes que trazia na nova bagagem (incluindo alguns vestidinhos básicos fantásticos...).