quarta-feira, abril 30, 2008

Conflitos de agendas

As coisas estavam indo mais ou menos bem, obrigada. Mas para Tetê, "mais ou menos" é significado de tragédia eminente. Ela está acostumada a trabalhar 10 horas por dia e ninguém tira isso dela. Todos os homens de sua vida trabalhavam 11 horas por dia e ninguém tirava isso deles. O que significa que entre os horários de Tetê e os horários daqueles homens, sobrava uma horinha pra ela...

O Pavão é dono de uma situação financeira pra láááááááá de razoável, não se preocupa com horários, compromissos e itens afins... ele acorda cedo para ver os filhos irem para a escola e volta a dormir. Acorda novamente as 10 e quer falar com a Tetê. Depois do almoço ele dorme outra vez, e quando acorda... depois ele vai para uma sauna diária e janta fora com as crianças. Quando volta pra casa, ele quer.... e nos finais de semana ele quer... e no meio da semana ele quer... enfim, ele sempre quer a Tetê, mas a Tetê não concilia essas agendas, essas disponibilidades.

Primeiro de maio, feriadão, eles resolvem viajar até Itajaí, rever um velho amigo. O que significa um trajeto por terra, já que Itajaí não tem aeroporto. Sem problemas para ela ir de carro, desde que saíssem da portaria da casa de Tetê, mas ele estava em Paranaguá e ela teria que se encontrar com ele lá. Para Paranaguá, também não tem avião... Ele sugeriu um ônibus. Ela surtou e disse que ia de táxi. Ele achou um absurdo e resolveu que ela deveria alugar um carro. Certo – pensou Tetê – sem stress. Ele localizou o carro e marcou tudo. O carro chegou com 20 minutos de atraso, e o motorista insiste em música sertaneja. Tetê não está feliz... não... não está feliz, não...

Além do mais, tentou ser comedida e altamente "esportiva": ao invés de uma mala enorme, leva uma pequena sacola de viagem... sentada, esperando pelo carro com música sertaneja, Tetê olha para a sacola de viagem e não entende como poderá sobreviver 3 dias com as parcas coisinhas que tem ali dentro... por mais que apertasse, só conseguiu colocar duas botas e três sandálias, meio que apertadas no meio de blusinhas, blasers e alguns poucos jeans, cintos, fivelas, pulseiras, xales, e outras cositas indispensáveis. Tudo bem, tudo bem, são só 3 dias, mas em aeroportos ela nunca precisou se preocupar com clima, quantidade ou tamanho de mala.... nem com música ambiente...

Mas essa é só a primeira parte da viagem e ela acha que poderá superar os contratempos. Afinal, é tudo tão diferente... de avião ela vai para qualquer lugar do mundo sozinha. De taxi também. Por que não poderá se adaptar a um carro alugado com motorista sertanejo e uma básica viagem de carro ao lado do namorado? Tudo será divertido e novo, ela tem certeza, apesar de o hotel não ter as duas voltagens que ela está acostumada (ela ligou antes, para se certificar de que o secador de cabelos preferido e inseparável voltaria pra casa sem traumas adicionais...). mas ela quer tentar, jura que quer, e está aberta a uma experiência tão diferente. Resta ter notícias na volta: que poderá ser de carro com o namorado – conforme o cronograma previsto – ou de helicóptero alugado em regime de urgência psíquica.

segunda-feira, abril 14, 2008

Exercitando

O mundo de Tetê está muitíssimo diferente e ela está muitíssimo assustada. A empresa está dando uma guinada total, com novos e interessantíssimos negócios. Tetê tem um namorado carinhoso, apaixonado e presente. Foi procurada por um grupo de amigos da década de 90. Está procurando outro grupo de amigos das décadas de 80 e 70. E essas pessoas todas têm afetos, lembranças, cartas e presentes (e presentes!).

Ela tentou explicar para uma amiga, mais ou menos assim: "Procurei vários passados diferentes, e quando tentei voltar, dei de cara com vários caminhos, que me traziam vários futuros". A amiga não entendeu nada e ela também não consegue explicar mais do isso. Ela acha que os vários passados localizáveis abriram vários futuros possíveis. Uma sensação de ter milhares de opções concretas e visíveis. Um sentimento de familiaridade com coisas que não doem. E um medo enorme de que isso tudo não passe de um sonho.

Ora bolas! Por que e do que Tetê tem medo, afinal? Ela teme esse sentimento de integrar grupos, essa sensação de pertencimento, essa segurança de códigos conhecidos, esse olhar em tecnicolor, essa leveza ao acordar, essa liberdade de criar, cantar, gargalhar, se divertir... simplesmente porque passou muito tempo alerta, tentando se espremer por brechas muito estreitas. Tetê não consegue acreditar que saiu, que venceu o labirinto.

Tetê está estranhando a felicidade. E morta de medo de transmitir vida. Ela se vasculha o dia inteiro. Se questiona em sonhos, se belisca ao despertar. Muitas vezes se flagra engolindo palavras gostosas, sufocando demonstrações de carinho, escondendo alegria, reprimindo abraços, segurando beijos, calando declarações de amor, simulando ares de não to nem aí, fingindo que não tinha nem pensado nisso.

Ela entendeu o tamanho do estrago e conhece agora a dimensão do trauma que carrega. Tem consciência de que não precisa esconder amor, quando quer amor: isso aconteceu uma vez e não significa que tenha que acontecer novamente. Pelo contrário! Ela sabe que voltou para um mundo conhecido, onde pode demonstrar o que quer sem assustar ninguém. E como não é mulher de ficar parada... resolveu fazer exercícios para entrar em forma novamente. É obvio que ela não tentaria uma academia... Alguém esperava vê-la em roupa de ginástica??? Imagine!!! Ela resolveu exercitar seu afeto através do Beto: um inesperado filhote de Shih Tzu que descolou no último final de semana, em comum acordo com o Pavão Misterioso. Parece que vai dar certo... quer dizer, o Beto e o Pavão...

sábado, abril 05, 2008

Mudaram as estações. Nada mudou.

Mas Tetê sabe que alguma coisa aconteceu. Tá tudo assim, tão diferente... Mesmo com tantos motivos, pra deixar tudo como está: nem desistir, nem tentar, agora tanto faz... Tetê está indo de volta pra casa.

Se existe uma pessoa com quem Tetê gostaria de conversar agora, seria "Renato Russo"...

Se existe uma palavra que Tetê conseguiria usar com excelência agora, seria "Inefável"...

O vinho de quinta-feira com o Pavão Misterioso não foi um vinho, foi uma R.A.V. (Retomada Avassaladora de Vida). Primeiro a surpresa: ele está exatamente igual ao que Tetê lembrava! Da década de 70 para cá, ele ainda conseguiu melhorar com alguns fios grisalhos extremely charming. The Grey Power!!!

Passada a excitação que a ansiedade gerou durante os dias de espera pelo reencontro, Tetê reencontrou uma serenidade que já não acreditava existir. Ele trouxe uma mala enorme, repleta de truques e mágicas: lembranças, decência, lealdade, carinho, penas de pavão, cumplicidade, estrelinhas, conchas, gentilezas, pipoca, chocolate, delicadezas, roupa de baile, dignidade, músicas, lenços de seda, preciosas filigranas com fios de ouro e prata, nuvens, honestidade, segurança, charme, saudades. Confiança.

Ele colocou a mala no centro da sala dela. Ela não pensa em tirar a mala do centro da sala.

Ele trouxe o passaporte lotadinho de carimbos. Ela pensa na segunda, terceira e quarta via de novos passaportes lotadinhos de carimbos.

Ele trouxe um rio de doces palavras. Ela pensa em um mar de poesias.

Ele trouxe um livro do passado. Ela pensa numa biblioteca do futuro.

Ele chegou. Ela chegou.

E eles se lembram quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre. E sabem que nada vai conseguir mudar o que ficou.