sábado, dezembro 29, 2007

Um salto no escuro - para o conhecido

Carla e Tetê foram visitar uma amiga, a Fabi, outra carioca morando em Curitiba. Chegaram no final da tarde e se afogaram em lembranças e vinhos. Todos os homens foram lembrados, todas as fotos foram revistas, todos os vestidos foram comentados, todas as histórias passaram por releituras.
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Passava um pouco da meia-noite quando o pior aconteceu: o vinho acabou e ainda tinha muito papo. Só restava sair e procurar um lugar para continuarem a desfilar as lembranças e fofocas. Decidiram ir num carro só, e Carla lembrou que o dela estava duas quadras abaixo. Foram andando e comentando que só em Curitiba mesmo para andarem tranqüilas numa rua deserta e escura. Pelo menos uma coisa boa daqui! No Rio isso seria impensável, no mínimo elas seriam assaltadas.
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Foi quando Tetê sentiu duas mãos vindas por trás e apertando na sua cintura. Deu um grito altíssimo e instintivamente um chute forte, dobrando a perna para trás. Ouviu o barulho do salto de sua sandália quebrando e até hoje lembra da sensação de ter batido em algo duro. E o que se seguiu depois disso ela lembra perfeitamente de ter acontecido em câmara lenta. Aos poucos ela deixou de ver as amigas ao seu lado. Virou para trás e, no chão, estendido e com os braços protegendo o rosto, um corpo de homem encolhido.
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Fabi e Carla estavam enlouquecidas batendo com as bolsas enormes naquele homem estendido no chão. Elas batiam e chutavam, gritavam e choravam. E o homem com a maior dificuldade, gritava mais alto:
- Deixem de ser loucas, eu só tava brincando, conheço a Tetê!
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Foi um enorme desespero. Fabi e Carla não entendiam o que estava acontecendo e não paravam de bater no coitado. Tetê tirava uma de cima dele e assim que largava para tirar a outra, a primeira já tinha voltado. Até que ele conseguiu levantar e ajudar Tetê a segurar aquelas loucas.
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Depois de tudo explicado as duas se acalmaram e só restou a opção de convidar o pobre Rodolfo para tomar um vinho com elas. Antes, tiveram que passar em dois lugares: uma farmácia para improvisar um curativo na perna de Rodolfo e na casa da Tetê, para ela trocar a sandália. O salto, Rodolfo guardou de lembrança da violência urbana.

domingo, dezembro 23, 2007

A influência do feijão nas amizades femininas

Tetê ainda morava em Ipanema quando conheceu Carla. Loira, linda, com duas filhas pequenas loiras e lindas, recém-separada, Carla se mudou para o apartamento ao lado. Suas janelas eram coladas e elas também logo se tornaram inseparáveis, depois que o essencial se estabeleceu: as crianças deveriam chamar Tetê de "maninha" onde quer que estivessem, principalmente na praia...
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Carla estava traumatizada pela separação e não tinha intenção alguma de se envolver com alguém naquele momento, mas adorava festas e seguia Tetê pelo Baixo Leblon em noites memoráveis que quase sempre acabavam em mesas imensas e muito champagne na Pizzaria Guanabara.
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Carla odiava cozinha tanto quanto ela, mas como as crianças eram loucas por feijão, ela fazia um feijão divino, todos os dias. Tetê adorava e elas aprenderam a comer feijão gelado de madrugada, depois das festas. Ainda tinham forças para comer as feijoadas no Copa, aos sábados. Até que um dia resolveram ir a um desfile de lançamento de uma grife alternativa. Durante o coquetel, Tetê perdeu Carla de vista e voltou pra casa sozinha.
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No dia seguinte Tetê acorda com um barulho estranho. Algumas coisinhas caem insistentemente sobre ela, como uma chuva de pedrinhas. Depois de sentar na cama, percebe vários grãozinhos de feijão em torno dela, e mais alguns entrando pela janela aberta. Só podia ser a Carla! Ela vai até a janela e encontra a amiga assustadíssima e sussurrando para que ela "pelo amor de deus", tire um modelo de sua cama antes que as crianças acordem.
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Ainda sem entender nada e atordoada de sono, Tetê voa, abre a porta, entra no apartamento vizinho, esconde a amiga no banheiro e vai cumprir sua terrível missão... quando abre a porta do quarto de Carla, não acredita no que vê: um homem lindíssimo dorme feito um anjinho e ela reconhece como um dos modelos do desfile da noite anterior. Por isso Carla havia sumido!
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Acordar aquele homem foi hilário... Tetê se debruçou e cutucou umas dez vezes, até que ele abriu os olhos (azuuuuuuuis) e perguntou absolutamente confuso:
- Você não era loira até ontem de noite?
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Não adiantaria explicar. Carla estava em pânico presa no banheiro, as crianças prestes a acordar e Tetê sem café – sinônimo de nível de consciência zero – portanto, o jeito era tirar aquele monumento dali. E ele queria café... a reação mais natural então, foi convida-lo para um café no seu apartamento! Que durou exatos seis meses!
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Carla nunca não perdoou Tetê pela traição. Brigaram de verdade e ela rogou uma praga: Tetê nunca mais comeria feijão sem lembrar que havia traído uma grande amiga. Tetê nunca esqueceu Carla e os feijões e continuou jurando que não foi uma traição: ela só atendeu direitinho ao desesperado pedido de tirar o modelo de lá...
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No sábado passado Tetê estava no shopping e escutou uma frase antiga atrás dela:
- Vai uma feijô no Copa mais tarde?
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Era Carla! Em Curitiba! Coitada, inclusive, morando em Curitiba!
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Foram a uma feijô no Bourboun, mataram as saudades, contaram as novidades e juraram amizade eterna desde que, é lógico – e agora mais do que nunca –, as crianças que já eram mulheres feitas continuassem chamando Tetê de "maninha". E desde que, é lógico também, não freqüentassem mais desfiles de grifes alternativas.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

A bifurcação e o "ser esquisito fêmea" do Luis Antonio

Tetê marcou um almoço com um velho amigo, que não via desde o início do ano. Um homem clássico, sério, elegantérrimo. Com 27 anos de casado ainda era completamente apaixonado pela esposa e por um casal de filhos lindíssimos. Enfim, um homem estabilizado e feliz, generoso e um amigo daqueles que se pode contar até debaixo d'água. Foi buscá-lo no escritório e, sentadinha no hall do prédio, imaginou como ele estaria naquele dia: no mínimo, uma camisa Yves Saint Laurent com as mangas charmosamente dobradas e uma calça de microfibra. Ele sempre foi chiquérrimo com aquela barba bem cuidada e grisalha.
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O elevador se abre e no lugar do Luis Antonio sai um jovem de cabelos espalhados, uma camiseta justa e uma calça de brim preto transadíssima. Mas... que coisa, não era um rapazinho fashion... era o Luis Antonio!!! Até sem a barba!!!
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Tetê só se refez do susto no restaurante, quando ele contou que estava divorciado e curtindo a vida. Dava pra perceber! Na realidade, ele estava ótimo. Saudável, independente, feliz e bem humorado. Lógico que havia um abalo por causa do divórcio, mas o abalo maior tinha outro motivo.
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Ele conheceu uma advogada logo depois da separação e se encantou por ela. Tiveram um rápido caso, mas ela contou que tinha um namorado. Este foi o primeiro susto do Luis Antonio. Ele fora fiel durante 27 anos e não entendia esse mundo novo de festas e momentos.
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Romântico incurável e ainda acostumado a uma só mulher, abriu seu coração para a advogada no primeiro café da manhã (que levou para ela na cama). Disse que tinha uma excelente situação financeira e que poderia sustentá-la. Que adorava dormir abraçado e que levaria o café da manhã na cama todos os dias. Que seu hobby preferido era dar presentes, de preferência, jóias. Que a primeira noite deles foi suficiente para ele se sentir perdidamente apaixonado. Que adorava usar palavras carinhosas. E que a primeira viagem deles seria para as ilhas gregas, mas que teriam um mês para dar umas esticadas por Paris, Genebra e onde mais ela quisesse.
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Luis Antonio conta, atordoado, que a única coisa que a advogada disse foi:
- Desculpe, eu não agüento isso.
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Consciencioso e crítico, ele não acha que exagerou. E também não acha que poderá ser um homem diferente da próxima vez, com a próxima mulher. Ele é o que é e não vai aceitar as novas normas do mercado. Mas está absolutamente apavorado com o que vem pela frente e com as frases que irá escutar daqui em diante, toda vez que ousar ser sincero.
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Tetê deixou Luis Antonio no meio da tarde, e se sentiu mais atordoada do que ele. Ela ainda lembra que o tipo de queixa dele, era o tipo de queixa dela e de todas as mulheres até bem pouco tempo atrás: o homem só quer usar por uma noite, pensa que somos um objeto de prazer, não liga se tem uma mulher fixa e sai com outra descaradamente, não pensa em relacionamentos sérios, não faz a mínima questão de ser gentil e nem se dá ao trabalho de mentir. O que vale é o sexo pelo sexo e o momento. A quantidade em detrimento da qualidade. O coração fechado para emoções e a sensualidade falando mais alto. Não ligar no dia seguinte... não dormir abraçadinho... não criar laços e não manter intimidade sob hipótese alguma.
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Afinal, em que ponto as posições se inverteram? Em que momento as mulheres incorporaram o masculino? Será que nós percebemos, pelo menos, que passamos por uma bifurcação escolhendo a direção que o mundo não esperava? Será que entendemos que os homens estão confusos? Ou melhor, que ainda existem homens que também deram de cara com uma bifurcação???

quinta-feira, dezembro 13, 2007

A Teoria do Caos e a pasta negra da Natan

Tetê estava no carro de uma amiga no maior papo. De repente passam por um prédio lindo, na frente do qual uma placa enorme indicava uma Fundação Fulano de Tal. Tetê ficou pasma!!! Fulano de tal? De onde vinha esse nome? Do mais recôndito de sua memória? Uma rápida rastreada e as sinapses chegaram...
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Cinco anos atrás lendo a Folha de São Paulo, Tetê descobre que no dia seguinte, pela manhã, abriria um Congresso Internacional da Teoria do Caos e Geometria Fractal. Ora, ora, ora! Que interessante!!! Tinha que participar, obviamente.
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Liga para o agente de viagens e recebe a triste notícia: nem pensar em passagens até amanhã de tarde. A não ser que ela quisesse ir de ônibus. Ai, o que Tetê não faria para estar na abertura do Congresso? Lógico que iria de ônibus, não podia ser tão mal, não é? O agente que conhecia Tetê de outros carnavais dá uma risadinha maliciosa e avisa que a passagem terrestre será entregue em uma hora... e que ela teria que embarcar às 24:03h. Horariozinho estranho, mas tudo bem. Chegaria ao amanhecer, iria para o hotel, um banho e zupt para o Congresso. Tudo bem.
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Na rodoviária Tetê se apavora. Uma montanha de gente, com roupas esquisitas (ops, a palavra outra vez...) e malas esquisitas (ops, ops). Acha o "portão de embarque" e até se sente excitada por debutar em um ônibus leito. Olhando para baixo para não se sentir tão excitada com aquele exército de mochilas, sacolas, sacolinhas que passam por ela, de repente, pertinho de suas pernas, ela vê uma pasta preta masculina da Natan. Tetê não acredita naquilo e vai aos poucos levantando os olhos para ver quem poderia carregar aquele tesouro naquele lugar. Quer dizer, levanta os olhos um pouquinho, depois um pouquinho mais, um pouquinho mais, mas não chegava nunca ao final daquele paletó que carregava a pasta!
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O homem era imenso!!! Tetê calculou, por baixo, uns 1,95 metros de homem. Dentro de um terno interessantíssimo, do qual saía um braço enorme que carregava a pasta preta da Natan. E pluft: aquele gigante embarca num ônibus que tinha uma placa de 24:00h, para São Paulo. Ela tinha perdido o gigante por 3 minutos!
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Planejou que naquelas paradas que o agente disse que o ônibus faria, no meio da estrada, em uma lanchonete tradicional, ela desceria (contrariando os conselhos do agente de viagens) e acharia o dono daquela pasta. Lógico, a oportunidade estava ali. O ônibus pára, ela voa para fora e procura entre trocentos passageiros de trocentos ônibus. Nada da pasta nem do gigante. Volta para o ônibus dela decepcionada, mas tenta se conformar com a abertura do Congresso.
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Chega em Sampa, vai até o Bourbon e um banhinho e uma roupinha depois, decola para o Congresso. Chegando lá ainda faz a ficha atrasada, paga a taxa e enquanto examina o programa... a pasta negra passando pelas pernas dela! Desta vez ela não olha aos pouquinhos, não. Joga a cabeça para os céus, pega no braço do gigante e pergunta se ele veio no ônibus das 24 horas, saindo de Curitiba. Ele estranha e (olhando para baixo...) responde que sim, como ela sabia?
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Ela conta que amooou a pasta dele. Ele acha estranho e se apresenta. É físico e mora em Curitiba faz pouco tempo. Ai... ela confessa que entende pouquíssimo de física, mas gostaria muito de aprender. Passam 4 dias juntos no Congresso. Passam 4 meses juntos em Curitiba, na volta do Congresso. Falam de física de manhã, de tarde e de noite.
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O problema é que durante esses 4 meses, ele nunca mais usou um bom terno. E a pasta negra sumiu do mapa. Tetê imagina se não era emprestada de algum amigo um pouquinho mais chique...
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Tetê tentou ser magnânima! Ela jura que sim! Tentou passar pela falta da boa pasta Natan, do bom terno e de tudo o mais que imaginava bom. Tentou se concentrar na inteligência dele, no raciocínio lógico que tanto a agradava. Até que foram a uma churrascaria. E ao final, ele resolveu chamar o garçon e pedir palitos. E palitou os dentes.
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Tetê esperou o espetáculo do palito acabar, olhou para ele e disse que estava tudo bem, mas estava tudo acabado. Ele insistiu em saber o motivo, mas insistiu tanto, que ela contou: eram os palitos de dente. Ele merecia a verdade, apesar de tudo.
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Ele retrucou furioso, alegando que algo tão pequeno e insignificante como um simples palitar de dentes não podia ser motivo para o final de uma relação. Ele não podia se conformar com um motivo tão pequeno, ela estava inventando isso porque não queria contar o verdadeiro motivo da separação.
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Aí Tetê foi tomada por aquele tipo de inteligência que se baseia em reunir rapidamente uma série de informações técnicas e condensa-las para que tomem apenas um rumo, numa só frase. E saiu com essa:
- Exatamente como na Teoria do Caos, onde o que vale é a dependência sensível de um sistema de suas condições iniciais. Lembra da frase "o bater das asas de uma borboleta em Nova Iorque pode causar um terremoto no Japão?" Pois o conceito é o mesmo. Você palitando os dentes agora pode me causar uma crise histérica amanhã.
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Aí ele entendeu.
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Ah, e só para constar: a tal Fundação Fulano de Tal que Tetê viu com a amiga, não é dele não. O nome é que era bem parecido...

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Tetê vai ao dicionário

Tetê andava incomodada com definições. Não que estivesse perdendo o sentido da realidade, mas deixava de entender coisas simples, palavras simples, situações simples. Palavras que sempre se desnudaram diante dela, agora pareciam ser outro idioma, falado em outro planeta.
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Lógico, ela estava se referindo ao ser esquisito (aiiiiinda...). Tudo bem, ela havia prometido virar a página e tinha cumprido. Não tinha nenhum contato, não tinha inclusive, nenhuma vontade. Estava numa fase inédita: não queria ouvir falar dele, não queria notícias e lá no fundo, sentia uma coisinha parecida com raiva ou desprezo, ela ainda não tinha certeza. Afinal, era o primeiro ex que a deixava enfurecida. Todos os outros, sem exceção alguma, eram homens maravilhosos e seres humanos incríveis, que nunca saíram da vida dela. Do quarto passaram – sem traumas – para a sala de estar, e eram ótimos companheiros atualmente. A maioria deles aliás, era atual confidente, em mão dupla.
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Foi aí que Tetê começou. Procurou por "ex":
Exprime movimento para fora de, saída, intensidade etc.: êxodo, expatriar, expurgar. Anteposto e ligado por hífen a certos substantivos, designa cargo, profissão ou estado que se deixou de exercer: ex-diretor, ex-ministro, ex-marido.
Bom, o ser esquisito não deixou de ser algo. Ele nunca foi nada na vida dela. Mas ainda batia a parte do movimento para fora, expurgando...
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Tetê tentou "homem":
Ser humano em geral; o homem é um mamífero bípede, dotado de inteligência e linguagem articulada. Indivíduo da espécie humana. Aquele que procede com madureza, que tem experiência do mundo. Aquele que possui em alto grau os distintivos da hombridade.
Aqui nada rolou. O mamífero bípede ainda vai... mas o resto? Dotado de inteligência e linguagem articulada? Distintivos da hombridade? Que inferno, esse ser esquisito não existia mesmo nem em dicionário!
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Tá, tudo bem, quem sabe "amante"?
Que ama. Pessoa que ama.
Imagiiiiiiiine! Amar o que? Amar quem? Isso o dicionário não traz. Qual o objeto de amor? Nem a ele mesmo ele conseguia amar! Não, amante, também ele não era.
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Vamos tentar "companheiro"?
Aquele que acompanha. Colega, condiscípulo. Camarada.
Aqui, mesmo que o dicionário não traga, a gente ainda consegue completar: acompanha as criançinhas, as menininhas. Coleguinha de festinha punk, de mal criado que não escova os dentinhos antes de dormir e quando acorda. Camarada de putaria. Tá bom, aqui fazia um pouquinho de sentido.
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Quem sabe, procurando bem, ele não se adaptasse a um "amigo"?
Que tem gosto por alguma coisa; apreciador. Aliado, concorde. Caro, complacente, dileto, favorável. Dedicado, afeiçoado. Indivíduo unido a outro por amizade; pessoa que quer bem a outra.
Uau, aqui tudo, absolutamente tudo furou. Unido a outro? Que quer bem a outro? Aliado? Esse cara conseguia ser unido ao próprio pênis, e olhe lá! Olhe lá mesmo, porque o homem que sente amizade ou que quer bem o próprio pênis não sai por aí colocando o dito cujo nas lixeiras das esquinas, não é?
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Mas Tetê não quis desistir do dicionário tão facilmente, acreditava nele. E localizou uma definição que beirou a perfeição, e que trazia um regionalismo – esse sim – absolutamente perfeito. Procurando por "esquisito", olha só o que Tetê achou, e principalmente, a riqueza da expressão utilizada no Paraná:
Que se encontra raramente. Estrambótico. Incomodado, adoentado. Lugar deserto. Reg (Paraná) Trilha difícil e áspera.
Taí: trilha difícil e áspera. Não é que o dicionário e o Paraná, desta vez, tinham acertado em cheio??? Esse era o ser esquisito. Bem áspero, bem Paraná, bem dífííííícil. Lógico que não combinava com "trilha", mas de resto, era a definição perfeita!
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Aliás, "trilha"...:
Rasto ou vestígio que uma pessoa ou animal deixa no lugar por onde passa. Caminho, senda, trilho, vereda. Caminho a seguir, carreira. Exemplo, norma.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

O pedido de casamento

Depois da primeira experiência proporcionada pela agência, Tetê resolveu que só marcaria um novo encontro no próximo mês... precisava se recompor e se preparar para outros imprevistos quase matrimoniais que viessem a acontecer.
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Enquanto isso, lembrou de como o cientista a havia pedido em casamento. E mais uma vez se imaginou absolutamente incapaz de produzir sinapses! Como ela pode passar três anos com alguma coisa como o ser esquisito, depois de uma cena deslumbrante num aeroporto...
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Foi assim: ela ainda morava no Rio quando conheceu o cientista. Passaram dois meses juntos e ele precisou ir a New York, a trabalho. Passou 15 dias viajando e ligou para Tetê busca-lo no Galeão. Tetê chegou cedo no aeroporto e se certificou que o vôo estava no horário. Sentou o mais próximo que pode do portão de desembarque internacional e estava folheando uma revista, quando um casal de velhinhos chegou perto dela com ramalhete pequeno de lisianthus: rosa, branco e roxo. A velhinha perguntou se ela era a Tetê, e colocou as flores em seu colo. Sem entender o que estava se passando, tentou perguntar quem eram eles, mas eles já tinham se virado para ir embora. Em seguida, chegou uma menina de uns 7 anos, olhou pra ela, sorriu, e largou outro ramalhete igual no colo dela. Tetê começou a ficar assustada.
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Antes que pudesse pensar em fazer alguma coisa, uma fila de pessoas saiu daquele portão, e cada pessoa trazia um conjunto igual com 3 lisianthus, sorria pra ela e largava as flores no seu colo. Passaram-se alguns minutos neste ritual, Tetê absolutamente pasma e muda, as flores como que brotando do chão, do ar, das cadeiras a sua volta, e ela ali, querendo saber que tipo de sonho doido poderia estar vivendo. Muitas flores depois, a fila parou. Ninguém mais saía por aquela porta e Tetê estava com medo de se mexer. Ou era um sonho e ela poderia acordar, ou era um atentado terrorista e ela poderia explodir junto com as flores. Não dá para saber quantos minutos se passaram, mas de repente, daquele portão vazio em pleno Galeão, sai o cientista. Com muitos lisianthus na mão, num bouquê imenso. Chega perto dela – ou seja, do jardim no qual ela havia se transformado – e pergunta simplesmente:
- Gostou? Quer casar comigo?
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Mais tarde, em casa – e com todas as flores que Tetê fez questão de carregar – ele contou que estava no hotel em New York e viu isso na televisão. Gostou tanto que resolver fazer o mesmo, e quando o avião levantou vôo ele pediu permissão para falar com os passageiros no auto-falante e explicar seu plano. Todos, obviamente, concordaram em participar da loucura dele.
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Passado o carinho que a lembrança trouxe, Tetê se sentiu péssima! Ter passado os últimos tempos com o ser esquisito não era um desrespeito somente com ela mesma! Era como se ela estivesse jogando no lixo todas as situações maravilhosas proporcionadas pelos homens maravilhosos que ela teve na vida. E lixo, afinal, era o lugar do ser esquisito – e não dela, muito menos dos ex fantásticos que foram homens, que escovavam os dentes, que falavam, que liam, que escreviam, que tinham um pé na realidade e outro na masculinidade. O que o ser esquisito tinha de tudo isso? Nada, absolutamente nada. Com certeza, um lisianthus para o ser esquisito, era material erótico!

segunda-feira, dezembro 03, 2007

O cadáver

O primeiro pretendente que concordou em conhecer a Tetê era bastante charmoso. Marcaram um almoço e ele foi um gentleman. Era um homem de 50 anos, elegante, divorciado com 2 filhas que moravam em São Paulo (uma médica e outra advogada). Executivo de uma grande instituição bancária e com uma vida financeira estabilizada, curtia as boas coisas da vida como viagens e bons restaurantes, carros importados, jazz e ópera.
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Durante o almoço Tetê fantasiou uma vida com ele: daria certo, ela tinha certeza. Um homem sereno e maduro, charmoso, bonito e bem vestido. Bem resolvido com o mundo, com os negócios e com a família. Amigo da ex-mulher e do marido atual dela. Uma das filhas grávida e ele quase vovô de primeira viagem. Tetê queria tentar, achou que merecia esse tipo de "descanso", depois das batalhas pesadas que havia tido com e pelo ser esquisito.
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Ao final do almoço ele confidenciou que gostaria muito de vê-la novamente, queria conhecer o lugar onde ela morava (ops!) e comer uma comidinha que ele preparasse (ops! ops! ops!). Atenciosa, Tetê perguntou o que ele gostaria de comer... ele disse que adoraria um franguinho básico... e marcaram o jantar que Tetê prepararia para o dia seguinte!!!
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Tetê nunca preparou nada na vida, quanto mais um frango. Mas, esperançosa, se convenceu que, se tudo tinha um preço, esse até que era bem barato. Imagine! Quem não sabe preparar um franguinho básico? Bem, ela não sabia, mas iria aprender, lógico. Ligou para uma amiga e pegou a receita, detalhe por detalhe. Entrou no supermercado e deu de cara com o frango, que passou do congelador para o carrinho pelas pontinhas dos dedos dela. Ugh....
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Chegou em casa as cinco horas e ele chegaria as oito. Colocou o frango na pia e foi arrumar a casa. Voltou para a cozinha e lá estava o frango, no mesmo lugar. Quer dizer, um pouquinho mais descongelado, mas no mesmo lugar. Deu as costas para o frango e foi organizar os CDs. Entra na cozinha e o franguinho lá na pia. Ainda na pia. E ainda mais descongelado. Foi trocar a água das flores no banheiro. E entrou na cozinha novamente... lá estava o franguinho, dentro da pia. Desta vez, absolutamente descongelado e mole. Amorfo. Desconectado dela. Morto. Estático. Branco. Empacotado. Absolutamente desmaiado. O relógio marca sete horas e o desespero marca Tetê.
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Tetê toma banho e se arruma, mas não imagina de que forma pode chegar perto daquele cadáver dentro da sua pia. Ela olhava para ele e tinha a nítida impressão de que ele estava em estado adiantado de decomposição. Dele, saía uma água branquinha e um cheiro insuportável. Tetê teve a impressão de que ele estava se mexendo... fingiu que olhava para cima e subitamente olhou para o cadáver novamente. Não havia dúvidas – pensando que ela não estava olhando, ele havia se mexido. Parecia que estava rindo de Tetê. E Tetê começou a chorar. Primeiro, mansamente. Em segundos estava soluçando em desespero completo. Fechou a porta da cozinha e pensou em chamar a polícia, os bombeiros, o porteiro, a vizinha. Mas o interfone tocou! Oito em ponto e aquele homem charmoso estava na portaria, e não havia meios de reverter a situação.
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Tetê abriu a porta e antes que ele estendesse as flores, se jogou no pescoço dele e pediu aos berros, por tudo que era mais sagrado para ele, que a ajudasse a tirar o cadáver da cozinha, da pia e da vida dela.
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O homem ficou mais branco que uma folha de papel, largou as flores no chão, se desvencilhou do abraço desesperado dela e voou para localizar a cozinha... quando voltou para a sala ainda branco de susto, ergueu as flores e a Tetê do chão. Flores na mesa, Tetê no sofá. Educadamente, ele diz que vai sair com o cadáver e que Tetê deve tomar um banho e dormir para se recompor. Ele ligaria no dia seguinte cedinho para saber como ela estava.
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Até hoje Tetê não entende porque ele nunca mais telefonou.

sábado, dezembro 01, 2007

A quarentena e mais 5 dias, com uma agência de matrimônio no meio

Tetê passou dias e dias extremamente quieta: como se não fizesse parte do mundo, como se fosse uma estrangeira, como se vivesse no futuro e os códigos de linguagens atuais não lhe chegassem com sentido algum. Do momento em que colocou os olhos na punk funk rock até agora, guardou um segredo: no seu último aniversário havia feito um pacto com o ser esquisito – eles se encontrariam periodicamente a partir dali, de 45 em 45 dias.
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Eles tentaram conversar uma vez no msm e o papo ficou preso nas situações daquela menina. Eles se estranharam, Tetê disse que estava colocando um xis vermelho no nome dele para sempre. Ele entendeu que era no msm e a bloqueou!!!... Todos os dias Tetê entrava no msm e ele não estava lá. Ou melhor, ela sabia que ele estava lá, mas aparecendo off line. E no quadragésimo quinto dia, Tetê chegou no escritório e lá estava ele, on line. Tetê lembrou que tinha um jantar com amigos naquela noite. Foi até o nome dele e o bloqueou...
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Enquanto ela dizia que ficou tudo quieto, muito quieto dentro dela, ocupou seus dias procurando a tal agência. Houve uma que pareceu interessante: caríííííííííssima, o que era um bom sinal, pois nem todo mundo podia pagar aquela fortuna; de uma figura conhecida da sociedade curitibana, o que era outro sinal positivo, pois a dona não se comprometeria com candidatos de baixo nível, e extremamente simpática, numa bela casa lotada de tapetes persas, um gerente bem descolado e empregadas uniformizadas.
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Respondeu a trocentos questionários, levou cópias de documentos, deu referências pessoais, comerciais e bancárias, levou fotografias, fez entrevistas com psicólogas e achou tudo aquilo um saco, mas pelo menos enxergava segurança no processo. Se todo mundo passava por tudo aquilo, ela deveria encontrar pessoas que não se tornariam surpresas desagradáveis depois do primeiro encontro... ou será que se tornariam???
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Depois que toda aquela documentação e toda aquela conversa acabaram, ela foi finalmente "admitida". E o primeiro prêmio chegou: ela poderia começar a "escolher" alguém, de uma pé-seleção que haviam feito especialmente para o seu perfil. Para isso, ela precisaria ir até a agência com disponibilidade de ficar por lá uma tarde toda.
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Para Tetê, aquilo tudo foi hilário! Ela foi trancada numa sala absolutamente confortável. Ela e uma séria de pastas de futuros pretendentes... em cada pasta, os questionários preenchidos e várias fotografias dos homens que, como ela, já não sabiam ou não tinham tempo nem paciência para conhecer pessoas pelos métodos normais. Era interessante ler repetidamente aquelas perguntas e ver como cada um deles respondia às questões. Ela analisou a gramática, a caligrafia, a economia ou o exagero de palavras, a metodologia da comunicação de 35 homens naquela tarde. E selecionou 4 pastas, como quem seleciona 4 potes de geléia na prateleira do supermercado.
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O próximo passo era mais delicado, pois a agência entraria em contato com os 4 homens selecionados e eles teriam que concordar em se encontrar com ela. Ai, ai ai! O medo de ser rejeitada novamente e desta vez, de uma forma mais cruel – por 4 homens que nem mesmo a conheciam!!!
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Mas o pior não aconteceu. Ou aconteceu???? Tetê não foi rejeitada e, um a um, pode rejeitar aqueles 4 homens. Os questionários não mostravam o mais importante: os olhares, os sotaques, os tiques nervosos, os movimentos das mãos, o cruzar de talheres nos restaurantes, as meias brancas, as gravatas de Pato Donald, os vícios psíquicos, as exigências, os pedidos estranhos, as piadas...