segunda-feira, dezembro 10, 2007

Tetê vai ao dicionário

Tetê andava incomodada com definições. Não que estivesse perdendo o sentido da realidade, mas deixava de entender coisas simples, palavras simples, situações simples. Palavras que sempre se desnudaram diante dela, agora pareciam ser outro idioma, falado em outro planeta.
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Lógico, ela estava se referindo ao ser esquisito (aiiiiinda...). Tudo bem, ela havia prometido virar a página e tinha cumprido. Não tinha nenhum contato, não tinha inclusive, nenhuma vontade. Estava numa fase inédita: não queria ouvir falar dele, não queria notícias e lá no fundo, sentia uma coisinha parecida com raiva ou desprezo, ela ainda não tinha certeza. Afinal, era o primeiro ex que a deixava enfurecida. Todos os outros, sem exceção alguma, eram homens maravilhosos e seres humanos incríveis, que nunca saíram da vida dela. Do quarto passaram – sem traumas – para a sala de estar, e eram ótimos companheiros atualmente. A maioria deles aliás, era atual confidente, em mão dupla.
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Foi aí que Tetê começou. Procurou por "ex":
Exprime movimento para fora de, saída, intensidade etc.: êxodo, expatriar, expurgar. Anteposto e ligado por hífen a certos substantivos, designa cargo, profissão ou estado que se deixou de exercer: ex-diretor, ex-ministro, ex-marido.
Bom, o ser esquisito não deixou de ser algo. Ele nunca foi nada na vida dela. Mas ainda batia a parte do movimento para fora, expurgando...
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Tetê tentou "homem":
Ser humano em geral; o homem é um mamífero bípede, dotado de inteligência e linguagem articulada. Indivíduo da espécie humana. Aquele que procede com madureza, que tem experiência do mundo. Aquele que possui em alto grau os distintivos da hombridade.
Aqui nada rolou. O mamífero bípede ainda vai... mas o resto? Dotado de inteligência e linguagem articulada? Distintivos da hombridade? Que inferno, esse ser esquisito não existia mesmo nem em dicionário!
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Tá, tudo bem, quem sabe "amante"?
Que ama. Pessoa que ama.
Imagiiiiiiiine! Amar o que? Amar quem? Isso o dicionário não traz. Qual o objeto de amor? Nem a ele mesmo ele conseguia amar! Não, amante, também ele não era.
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Vamos tentar "companheiro"?
Aquele que acompanha. Colega, condiscípulo. Camarada.
Aqui, mesmo que o dicionário não traga, a gente ainda consegue completar: acompanha as criançinhas, as menininhas. Coleguinha de festinha punk, de mal criado que não escova os dentinhos antes de dormir e quando acorda. Camarada de putaria. Tá bom, aqui fazia um pouquinho de sentido.
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Quem sabe, procurando bem, ele não se adaptasse a um "amigo"?
Que tem gosto por alguma coisa; apreciador. Aliado, concorde. Caro, complacente, dileto, favorável. Dedicado, afeiçoado. Indivíduo unido a outro por amizade; pessoa que quer bem a outra.
Uau, aqui tudo, absolutamente tudo furou. Unido a outro? Que quer bem a outro? Aliado? Esse cara conseguia ser unido ao próprio pênis, e olhe lá! Olhe lá mesmo, porque o homem que sente amizade ou que quer bem o próprio pênis não sai por aí colocando o dito cujo nas lixeiras das esquinas, não é?
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Mas Tetê não quis desistir do dicionário tão facilmente, acreditava nele. E localizou uma definição que beirou a perfeição, e que trazia um regionalismo – esse sim – absolutamente perfeito. Procurando por "esquisito", olha só o que Tetê achou, e principalmente, a riqueza da expressão utilizada no Paraná:
Que se encontra raramente. Estrambótico. Incomodado, adoentado. Lugar deserto. Reg (Paraná) Trilha difícil e áspera.
Taí: trilha difícil e áspera. Não é que o dicionário e o Paraná, desta vez, tinham acertado em cheio??? Esse era o ser esquisito. Bem áspero, bem Paraná, bem dífííííícil. Lógico que não combinava com "trilha", mas de resto, era a definição perfeita!
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Aliás, "trilha"...:
Rasto ou vestígio que uma pessoa ou animal deixa no lugar por onde passa. Caminho, senda, trilho, vereda. Caminho a seguir, carreira. Exemplo, norma.

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