quarta-feira, dezembro 10, 2008

Em todas as instâncias... gatos???

Uma caixa fechada. Um gato dentro da caixa. E um gás venenoso dentro de um frasco que se abre se rolar um processo de decaimento radioativo. Se rolar mesmo, o gato morre. Se não rolar, o gato fica vivo. E agora? Ele está vivo ou está morto? Segundo a teoria quântica, você só sabe se o gato está vivo ou se está morto se olhar para dentro da caixa. Nada é real se não é observado: o gato não morreu e não sobreviveu, até que a gente olhe pra ele. Ele está num estado indeterminado, vivo e morto ao mesmo tempo! Essa é a famosa história do Gato de Schrödinger, que Tetê adora.

Por que isso agora? Porque, segundo Tetê, falando em gatos... o gato subiu no telhado. E não foi o Gato de Schrödinger!

Ela passou um bom tempo idealizando a caixa (preta?) do gato (de Schrödinger?) e chegou a pensar que o mistério era realmente tudo de bom. Mas como qualquer mulher, Tetê é curiosa! E acordou um dia morrendo de vontade de olhar o conteúdo da caixa. Tomou um café, fumou um cigarrinho, leu os jornais... enquanto tentava tirar da cabeça o pensamento recorrente de abrir a caixa. Mas a maldita curiosidade venceu e ela constatou o que já suspeitava: o gatinho estava morto. Mortinho. Meeeesmo. O tal decaimento radiativo rolou, e levou não só a vida do pobre gatinho, mas toda a empolgação da Tetê em relação a ele. Ai, ai. Hora de funeral. E de um pretinho básico, de arrasar.

Como funerais não significam altas festas, ela resolveu sair sozinha e encarar um jantarzinho num restaurante onde não fosse incomodada. Em Curitiba, só o Ile de France passa no teste: onde mais uma mulher sozinha e bem vestida pode ir nessa terra, para saborear uma boa comida e voltar para casa sem ser alvo de olhares esquisitos? E fazia muito tempo que ela não comia aquele delicioso escargot.

Tudo de bom! O Ile não estava muito cheio, ela estava completamente a vontade e aliviada. Pode parecer esquisito, não é sempre que um funeral significa alívio, mas encarar a realidade, abrir a caixa e ver que ali só havia um gato morto fez um bem enorme. Ela não conseguia ter culpa por se sentir bem numa situação como essa. Afinal, ela estava viva e acostumada a ser alimentada com novidades constantes. E quando ela não é alimentada... o sistema falha mesmo! A rotina tira o brilho de Tetê. A não ser que a rotina seja avassaladora! E não era isso que ela estava vivendo. Talvez ela tenha usado demais a piscina de bolinhas... e as bolinhas tinham prazo de validade. Ela não leu o manual, mas certamente as instruções traziam uma cláusula de desgaste...

Enfim, o esgargot estava divino. Igualzinho ao que ela comia com o pai, desde pequenininha. Aquele ambiente acolhedor, aquele vinho e aquela sensação de não ter que conversar amenidades com ninguém a faziam levitar. Ela levou exatamente uma hora e quarenta e dois minutos entre a entrada, o prato principal, a sobremesa, a conta e o pedido de um taxi para o garçom.

Voltou para casa e estreou o sofá novo com o Beto e com um último Jack Daniel's. E antes de adormecer no sofá com o Beto aos seus pés e a liberdade de volta, lembrou que a pessoa na mesa da frente no restaurante, também estava sozinha... e contou para o Beto, bem baixinho:
- Eu acho que vi um gatinho. Eu vi siiiim. Eu acho que vi um gatinho...

terça-feira, novembro 18, 2008

Experiência mística

Bem que ela avisou que estava cansada. Ela disse isso para todo mundo e ninguém acreditou. Ela tentou sinalizar que estava para lá de esgotada e todo mundo achava frescura. E o final de semana no campo com Cacá também foi pouco – ela precisava de pelo menos 10 dias de descanso.

Aconteceu na sexta-feira passada. Tetê trabalhou feito uma maluca o dia inteiro, não teve tempo para almoçar e na noite anterior tinha bebido toooodas com duas amigas malucas. No final da tarde ela sentiu vontade de chorar sem razão. Lembrou que estava cansada e lembrou que as pessoas diziam que era besteira, que era charme dela. E decidiu comprar uma sandália nova.

Saiu do escritório andando e foi até o shopping. No caminho, um ex ligou para o celular (um ex ótimo, por sinal...) mas ela dispensou rapidamente. Entrou numa loja e começou a pedir uma sandália atrás da outra. Provava, separava, trocava pela outra, e pela outra, e pela outra... até que uma coisa na porta da boutique chamou sua atenção: um homem lindo, bem vestido, com um sapato lindo também. Por alguns segundos Tetê fantasiou ser a mulher perfeita para aquele sapato lindo, mas em seguida entendeu o absurdo do pensamento, abaixou a cabeça para trocar a sandália e... teve sua primeira experiência mística.

Ela já não estava naquela loja. Estava deitada numa cama diferente da dela, com um vestido branco diferente do pretinho que ela realmente usava. Do teto saía uma luz fraca, também diferente. E o ambiente tinha um silêncio absoluto, também muitíssimo diferente. De um lado da cama dela, de pé, um homem e uma mulher vestidos de branco. Do outro lado da cama, o ex que tinha telefonado e o homem de sapato lindo.

Então Tetê entendeu: ela havia morrido, estava no céu – ou no caminho dele, o famoso túnel de luz que as pessoas descrevem quando estão perto da morte. Tetê tentou levantar a cabeça, viu um vaso de flores brancas mas ficou tonta, uma espécie esquisita de vertigem, um ritmo lento, um labirinto, algo absolutamente sobrenatural. E aquelas pessoas continuavam ali, ao seu redor, todas de pé, olhando atentamente para ela. Tetê pensou em forçar um pouquinho a voz, mas a voz não saiu. Ela então lembrou que no céu as pessoas não usam a fala, mas a telepatia. Tentou sintonizar a mente de alguma daquelas pessoas mas não conseguiu m.... nenhuma. E começou a ficar furiosa. Por que diabos aquele povo estava ali olhando pra ela? E por que não tinha nenhum anjinho tocando harpa, nenhum arco-íris brilhando?

Então ela ouviu a voz do ex (ué, cadê a telepatia?). Ele perguntou se ela estava bem e ela respondeu que estava enfurecida. Passou as mãos pelo corpo e notou que o vestidinho branco era áspero pra caramba, definitivamente démodé. A luz tênue saía de abajur horroroso pendurado no teto e o casal ao seu lado estava vestindo uniformes de hospital. As flores brancas eram de plástico. Ouviu o ex dizer:
- Ela já está ótima. Se está brigando, já está ótima.

E eles contaram o seguinte: ela desmaiou quando estava na loja provando as sandálias. O homem de sapato lindo abriu a bolsa, encontrou o celular dela e ligou para a última chamada recebida. O ex mandou que ele a levasse para um hospital e encontraria com ele em questão de minutos.

Então tá. Tudo devidamente explicado e ela ainda furiosa. Um homem com aqueles sapatos a conhecia numa situação ridícula daquelas? E aquele ex (mesmo sendo interessante) ali, posando de responsável técnico por ela?

O médico e a enfermeira não conseguiram convencê-la a passar a noite no hospital. Ela mandou todo mundo embora do quarto e pediu ajuda para a enfermeira. Vestida, já de salto alto, roxa de vergonha, foi acertar a conta do hospital. O homem de sapatos lindos já tinha acertado tudo... e ofereceu uma carona. Ela piscou para o ex (que estava de tênis e balançava a cabeça completamente desolado), engatou no braço do desconhecido e aceitou a carona.

Ele telefonou para Tetê todos os dias. Várias vezes ao dia. Mandou flores no sábado e na segunda. E quatro caixas de bombom de cereja da Kopenhagen que ela adora. E ela aceitou. Por que? Porque esse foi o único ser vivo que acreditou que ela estava cansada (também... se não acreditasse...), que a ouviu, que foi gentil, que não fez perguntas, que não pediu nada, que não exigiu nada, que não deu bronca, que não encheu o saco. Foi o único homem que procurou fazer com que ela desacelerasse quando, na primeira telefonema de sábado, ela chorou e contou que precisava de um dia com duas horinhas a mais. Foi realmente o único que a admirou por ela ser assim tão dedicada ao trabalho, ao invés de dizer que ela era louca por trabalhar tanto. O único que perguntou se ela precisava de alguma coisa, ao invés de desfiar um rosário com tudo o que um homem precisa. E foi o único a perguntar se ela tinha vontade de passar o Réveillon no Rio. Ele não é, realmente, um anjinho?

segunda-feira, novembro 03, 2008

Cuuuuuurto circuito no campo

Tetê acha que entendeu de uma vez por todas o que significa "curto circuito". Apesar de não se tratar de um circuito "curto"... para ela se tratou disso sim! As correntes que passavam pelo cérebro de Tetê nas últimas semanas achavam, pelo menos, que precisavam de um espaço – digamos assim – menos curto (Matemáticos e físicos de plantão: estamos utilizando a tal licença poética, ouviram???)

Ela estava acelerada no trabalho e nas festas. Saía de uma reunião para outra sendo obrigada a parar no cabeleireiro no meio delas, porque tinha um jantar logo mais. Visitava uma exposição carregada de sacolas de boutiques porque aceitara um convite de última hora para um aniversário. Brigou com a caixa do supermercado que não quis aceitar o cartão fidelidade da companhia aérea, que ela jurava ser o cartão de crédito. E o curto mesmo aconteceu na última sexta-feira, quando ela levantou, comeu um biscoito do Beto e deu a ele uma xícara de café preto bem forte.

Aí ela chorou e ligou para um amigo gay lindo que tem uma chácara linda num lugar lindo. A primeira providência de Cacá foi visitá-la no final da tarde e dar uma renovada no apartamento. Mudaram vasos de lugar, inutilizaram uma mesinha de canto, saíram e encomendaram um sofá novo florido, e levaram para casa um tapete de seda bordado em tons vibrantes.

Houve – lógico – atritos profundos entre Cacá, tapete e Beto: acontece que Beto estranhou o tapete e a camiseta de cetim do Cacá. Cacá, por sua vez, xingou o Beto de despenteado, escandaloso e babão. Mas por respeito à Tetê, muitos latidos e gritinhos mais tarde, relevaram as diferenças e agiram como gente grande num meigo quadro de conciliação: Cacá no tapete, Beto no colo de Cacá, Tetê fotografando o momento sublime. E no sábado, Tetê e Cacá embarcaram para a chácara depois de deixar o Beto (que dormiu no tapete) na casa da vovó.

A casa de Cacá no meio do mato é divina! Feita de troncos imensos, com um jardim de inverno no meio da sala que invade o piso superior. Apesar de estarmos praticamente no verão, chovia e fazia frio, e os dois passaram mais tempo comendo e bebendo na frente da lareira do que em outro lugar qualquer. Saíram e deram uma volta a cavalo, mas a chuva impedia aquele salutar contato com a natureza repleta de mosquitos, aranhas e afins. Cacá dispensou os serviços do casal que toma conta da propriedade e fez questão de cozinhar pessoalmente para a amiga em curto (Surto não! Curto...). Um verdadeiro anfitrião, chiquérrimo e amoroso, que levou Tetê para ver as vaquinhas, a horta, o lago, e para tirar ovo no galinheiro, o que rendeu uma gemada maravilhosa cheinha de canela.

Nos breves intervalos daquela orgia gastronômica, Tetê deitava com a cabeça no colo de Cacá e falava, falava, falava... Cacá fazia rolinhos com os cabelos da amiga, enquanto tentava desfazer os rolinhos que se formavam dentro da cabeça dela. Tetê estava tomada por uma paz inigualável, distante de computadores, celulares, campainhas, horários, e mergulhada naquele ambiente bucólico, renovador, onde tudo era verdinho e perfeitinho. A voz de Cacá era calma, compassada, transmitia serenidade e segurança, era uma voz perfumada e permeada de palavras doces. Ele tinha um labrador quietinho, calminho, bondoso, zeloso como o dono, que ficava horas a fio aos pés de Tetê, imóvel e enamorado. Parecia um sonho, do qual ela não queria acordar.

Logo após o almoço de domingo, Cacá e Tetê voltaram para a frente da lareira e retomaram a aura angelical: ela deitando a cabeça no colo suave dele, ele fazendo rolinhos no cabelo dela ao som do Concerto de Branderburgo número 3. O labrador sentadinho aos pés dela. E de repente... um grito de terror invade a sala e Tetê é arremessada violentamente ao chão. O labrador se assusta, sai correndo e derruba os copos de conhaque de cima da mesa, enquanto os gritos apavorantes aumentam. Tetê, do chão, vê o caseiro entrar com a espingarda na mão. E eles então percebem que os gritos vêm de um Cacá ensandecido, que sapateava violentamente enquanto fazia um streap tease desajeitado. Enquanto tenta levantar do chão e alcançar o labrador desesperado, Tetê distingue uma só palavra dentre os gritos do amigo: grilo.

Era isso. Um grilo. Aquele escândalo todo foi por um grilo que descuidadamente entrou na manga do pullover do Cacá. Nada mais, nada menos: um grilo. E um singelo Cacá em curto. Surto circuito. Longo. Longa mesmo foi a viagem de volta, com Cacá se penitenciando: de quilômetro em quilômetro ele parava no acostamento, descia do carro e dava volta até chegar na janela, beijava as mãos de Tetê e dizia "sorry, sorry, darling". Foram 52 quilômetros. E 52 "sorry, sorry, darling".

terça-feira, outubro 28, 2008

Sobre livros e leituras sensatas

Aconteceu assim, uns três anos atrás aproximadamente. Um domingo escaldante de verão e Tetê acorda cedo com o telefone tocando. Conversa um pouquinho com um amigo distante e de repente lembra que há uma feira de livros na cidade. Preguiçosa, toma uma banho e sai extremely casual: cabelos molhados, sandália rasteira, jeans e regata de seda. Ah! E óculos do tipo "saída de motel", enorme, atrás do qual ninguém a reconheceria assim tão básica.

Tetê entra em todos os stands de livros e já está suficientemente carregada quando entra no último: aqueles que vendem livros interessantes a preços "nórdicos" (o termo é da diarista, que se autodenomina "analfabética". Por que será???). Fuça daqui, fuça dali e Tetê está definitivamente coberta por livros num dos braços quando avista um antigo sonho de consumo.

Explica-se o sonho de consumo: ela sempre quis esse livro, mas morria de vergonha de entrar numa livraria para procurá-lo, imaginando que alguém conhecido pudesse aparecer subitamente e fazer algum juízo errado sobre ela. Afinal, porque uma mulher como ela compraria "Mulheres Inteligentes, Escolhas Insensatas"??? Nem morta que Tetê pagaria esse mico.

Mas naquela feira, com aquela roupa e aqueles óculos, num stand de livros populares... era uma ótima oportunidade para realizar o sonho antigo. Tetê olhou para um lado, olhou para outro, olhou para trás e se certificou de que absolutamente ninguém por ali poderia lhe reconhecer. E traçou uma estratégia infalível: ela estenderia o braço livre como quem não quer nada em particular. Esbarraria no exemplar secretamente, ardentemente, urgentemente desejado e o faria deslizar para o meio da montanha de livros que empilhava no outro braço. Nada poderia sair errado! Era um plano perfeito! E ela deu iniciou a perigosa e excitante operacionalização de seu plano. E no exato momento em que o livro estava no meio do trajeto entre a prateleira e seu braço dolorido pelo peso, alguém exclama atrás dela:
- Poxa! Sempre quis conhecer uma mulher que se interessasse por esse livro!

Tetê fica roxa. Não há a mínima possibilidade de fazer o tempo voltar para o momento em que ela ainda não tinha alcançado o maldito livro. Alguns milésimos de segundos dramáticos se passaram sem que ela pudesse pensar em uma desculpa descolada. Então o jeito era olhar para trás e encarar o dono daquela voz, e da acusação implícita que a voz trazia. E aí foi outro susto... o dono da voz era um homem imeeeeenso, liiiiiindo, grisaaaaaalho, e vestia uma camisa Elle et Lui impecável. Ela não conseguiu balbuciar nenhum som, e ele percebendo o mal estar, foi direto ao assunto:
- Fazemos o seguinte... você me dá o seu telefone e me explica porque está comprando esse livro, combinado?

Tetê imaginou que um encontro nessas condições só poderia resultar em um desastre e gaguejando deu um número de celular que já não existia. Ele agradeceu, sorriu e disse que ligaria no dia seguinte para combinar um jantar e discutir sobre o livro. Ela pagou o maldito livro, voou para casa e amaldiçoou a compra com todas as suas forças. Afinal, o livrinho tinha empatado uma possível "escolha sensata" com um homem pra lá de charmoso.

Outro dia Tetê estava na livraria esperando o Beto sair do Pet. Em um dos braços, livros e mais livros (biografia de Madame Curie, um ensaio de Mário Schenberg, textos de Washington Olivetto, biografia de Cartola e cartas de Vinícius de Moraes. Graças aos céus, uma boa seleção dessa vez...) quando alguém derruba um livro atrás dela e ela se volta para ajudar. Lógico! Era aquele homão da feira de livros! Eles riem, ele analisa os livros dela e reclama que o celular que ela anotou não existia.

Os dois assim, meio sem graça, e ele pergunta se ela realmente leu o livro. Ela fica meiga de repente, até que ele faz a segunda pergunta: se ela aprendera a fazer "escolhas sensatas". Ela já não se sente tão meiga. E ele faz a terceira pergunta: qual o número verdadeiro do celular.

P da vida, ela responde as três perguntas de uma vez:
- Sim, eu li o livro, aprendi a fazer "escolhas sensatas",e é por isso que não lhe dou meu telefone verdadeiro, darling.

Virou furiosa e andou sem olhar para trás. Aliás, faz tempo que Tetê está andando sem olhar para trás e isso traz uma elegância inigualável. Insuportável...

sexta-feira, outubro 17, 2008

Falando em anonimato...

Tetê estava em casa perto das 10 da noite, de camisolinha, quase dormindo abraçada a um livro chato, quando ouviu a campainha. Campainha? Como alguém consegue passar pelos cães de guarda que são os porteiros e alcançar a campainha assim, diretamente, sem interfone? Talvez fosse uma vizinha querendo papo e ela resolveu abrir.

Por alguns instantes, pensou que estivesse no meio de um pesadelo: na sua frente, três monstros coloridos fazendo muuuuito barulho. Ela tentou fechar a porta, mas um dos monstros colocou o pé no caminho, forçou a porta e abraçou Tetê enquanto os outros dois entravam e tentavam imobilizar um Beto Grude Gabbana que, em pânico, pulava de um lado para outro uivando. E de repente, no meio do pavor, vozes conhecidas... Sim, sim, sim... eram três amigas loucas, fantasiadas, excitadíssimas e já meio bêbadas. Tetê recupera o Beto do colo de uma bruxa roxa, senta no chão e tenta entender o que as três malucas diziam.

Simples assim: elas foram convidadas para uma festa à fantasia e sentiram saudades da amiga sumida. Tetê estava intimada a ir com elas. Ela tentou explicar com a maior calma que estava cansada, era tarde, ela não tinha nenhuma fantasia em casa e o Beto estava tomado por um surto psicótico depois do susto, mas elas não desistiriam tão fácil.

Reclamaram, xingaram, argumentaram que Tetê estava um pé no saco com as historinhas de caixa preta, piscininha de mil bolinhas, namoradinho e afins, e tinha abandonado cruelmente as amigas. Enquanto reclamavam, Ângela – a bruxa roxa – retoma o Beto (ai, judiação....). Carminha – a sereia dourada – invade o banheiro e volta com caixas de maquiagem e Vera – uma espécie de monstro negro do pântano – abre o guarda-roupa de Tetê e arremessa alguns possíveis vestidos em cima da cama.

Impossível resistir! Mesmo porque a promessa de uma diversão com várias pessoas juntas era um bálsamo para a vida reclusa, digamos assim, que Tetê vinha levando nos últimos meses. E menos de trinta minutos depois, Tetê está num longo azul, com uma coroa na cabeça e algumas flores pregadas na barra. Uma mistura de Scarlett, Cinderela, Iemanjá e Pastorinha, mas foi o que conseguiram para o momento supremo, e assim foi Tetê.

A festa acontecia numa casa maravilhosa, Tetê chegou a duvidar que estivesse em Curitiba. Pessoas lindas (continuou duvidando...), fantasias lindas, bebidinhas lindas, comidinhas lindas, tudo lindo. O dono da casa veio cumprimentá-las e ganhou a confiança da Tetê quando perguntou meigamente "um uisquinho? um bourboun?" Ah... lá foi Tetê com o Jack Daniel's! E quatro Jacks depois, Tetê estava se esbaldando na pista de dança, esquecendo completamente da Cinderela e Cia. Ltda. A maioria das pessoas estava de máscaras, o que era sem dúvida, divertido e inebriante. E ela dançou muuuito com um mascarado que tinha uma voz incrível e cantava! Tetê sempre achou um charme homens que cantam enquanto dançam. Mas de repente... a luz se fez!!! Não, não foi a consciência, foi o sol mesmo. Amanhecia quando Tetê ainda dançava com o mascarado e via os três monstros que a capturaram encostados uns nos ombros dos outros, num banco do jardim, roncando!

Jogada na banheira, com uma caneca de café preto fortíssimo, e tentando se preparar para enfrentar um dia de trabalho direto, Tetê chegou à conclusões dinâmicas: o anonimato é mesmo lindo; ela não foi feita para ficar parada e longe das multidões; definitivamente, não se fazem mais monstros, fantasias e "fantasia" como antigamente e, como última conclusão... precisa ter muita, mas muita competência para usar uma máscara. Sem perder o charme e a dignidade...

terça-feira, outubro 14, 2008

O charme, a dor e a delícia do anonimato

Os dias frios e cinzentos estão indo embora, o que significa que Tetê está num movimento magnificamente inverso! Ela consegue acordar cedo, sentar no chão com o Beto enquanto ele devora um mix de mamão, maçã e banana (verdade, ele enlouquece com as refeições matinais que a "pediatra" liberou), ler todos os jornais, passar alguns minutos na bicicleta que não sai do meio da sala (mas é enfeitada com uma manta de fios deslumbrante da designer mais que deslumbrante Márcia Ganem), e mesmo quando deveria se sentir absolutamente exaurida com essas árduas tarefas, consegue sair de casa leve, solta e saltitante.

No elevador ela cumprimenta efusivamente dois vizinhos carrancudos que resmungam algo como "om ia". Lógico! Dizer um "bom dia" completo é uma utopia para qualquer bom vizinho curitibano! Mas Tetê nem liga, continua bem humorada e esvoaçante na blusa de camadas levíssima que escolheu para saudar um calorzinho. Engraçado mesmo é que na horinha de escolher uma sandália, um pensamento trágico, urgente mesmo, lhe passou pela cabeça: ela precisa de novas sandálias! A galeria colorida na sua frente não é suficiente, como sempre. Nem a sandalinha de cristal para encontrar lobos maus legítimos podia satisfazer esse tipo de desejo – o de uma sandalinha nova.

O dia passou, ela fechou um negócio interessante e saiu do escritório mais cedo. Andou a pé pelas ruas, viu vitrines, consultou um conselho de amigas pelo celular para saber as últimas fofocas, contratou um eletricista para trocar todos os spots do quarto enquanto experimentava uma calça bárbara na Le Lis, e... de repente... lembrou: calor, horário de verão, outubro.... aniversário! Ela estava quase fazendo aniversário! Well. Tirando o fato de que mudar de número é complicado tooooodos os anos, isso era um bom sinal. Sinal de festa à vista, de reunir gente gostosa, de apagar velinhas, de se divertir muuuuito! E para compensar o peso da idade, se deu de presente o primeiro item: a calça bárbara.

Uma pontinha de remorso depois, comprou uma centopéia para o Beto (inimaginável ela ter um presente e ele não!) e voou para casa para vê-lo abrir o pacote. Na portaria, um pacote sem remetente. Enquanto o Beto tentava devorar a caixa da centopéia, ela devorou o papel dourado do seu próprio pacote. Nenhum cartão, nem uma dica, nem uma pista. Se duvidar, nenhuma impressão digital. Mas em compensação, uma sandália dourada simplesmente estonteante, que servia!!! Exatamente o seu número...

Tetê pegou emprestada a centopéia do Beto e deu uma mordida. Uma coisa ela aprendeu nessa vida: nunca, nunca, nunca, nunquinha mesmo, passar a mão no telefone e perguntar toda alegrinha: "Foi você?"

Tetê continuará a morder a centopéia. Continuará a morder o Beto. E continuará a se morder de curiosidade. Mas jura de pés juntos (calçados com a sandália dourada nova, claro!) que vai esperar alguém se manifestar. Melhor do que sair por aí dando montanhas de foras e despertando sentimentos bélicos em todo mundo que responder "Fui eu o quê?"


segunda-feira, outubro 06, 2008

Enquete da Tetê: responda rápido... você faria o que?

Você está andando na rua, chiquérrima com um tubinho Versace preto. Láááááá na esquina você avista um lobo mau. Ele vem andando firme em sua direção, você está congelada de pavor e começa a suar frio. A menos de um metro de você ele sussurra gentilmente: Você é diferente de todas as mulheres que já conheci.

Você está encantada com um homem. Ele é durão, macho pra caramba, irredutível, preso nos parâmetros mais machistas da humanidade. Você resolve agradá-lo, dá uma de Luma de Oliveira, compra uma coleira de cristal Swarovski caríssima com o nome dele gravado, e estréia metida num vestido vermelho francês com uma fenda na perna direita que mais parece a Garganta do Diabo. Ele olha bem dentro dos teus olhos e diz que odeia mulheres submissas.

Você não sabe cozinhar nada. Nadinha mesmo. E tem a nítida impressão de que panelas e fogões vão criar milhares de tentáculos carregadinhos de um veneno mortal que dispara se você chegar perto demais. Mas tem um homem pra lá de charmoso que você ju-ra que merece uma massa básica. Heroicamente você se enfia na cozinha e durante 30 longos minutos vê aquela água ferver, aquele macarrão se desmantelar todo e aquele molho ficar ali, borbulhando de uma forma indecente, torturante. Ele prova e diz que o molho tem que ser colocado só no final, para não ficar ácido daquele jeito.

Você está detonada. Semana cheia, reuniões intermináveis, agendas neuróticas e limite do cheque especial estourando. Todos os cartões de crédito entraram em greve. Seu cabelo implora por uma boa escova de chocolate e você não tem tempo de atendê-lo. Os jatinhos da hidromassagem pifaram quando você mais precisava deles. Mas... ele vem! Ele vai te colocar no colo, vai te dizer que tudo isso vai passar, que vai cuidar de você, que naquela noite vai te fazer esquecer do mundo! E ele chega! Cheiroso, lindo. Você ainda está irritada. Ele liga a TV para não perder uma luta de Box. Logo em seguida, ele dorme.

Seu cachorro voltou do Pet com um corte horroroso. Desesperada, você passa a mão na tesoura e corta o lado direito do bigode dele. Quando tenta o lado esquerdo, o cachorro surta, uiva, corre pela casa inteira, derruba dois vasos de orquídeas e não te deixa mais chegar perto nem com reza brava. Um homão atencioso chega na sua casa, olha para o seu cachorro e diz que ele está uma gracinha. E não nota que o seu cabelo também diminui 1,5 cm, pois nos únicos 20 minutos de sobra do dia, foi o que deu para fazer no salão.

Você explica pra ele uma situação delicada, profunda, repleta de detalhes imprescindíveis, de entendimento realmente difícil. E lógico que cada palavra que descreve cada detalhe imprescindível, é imprescindível ao quadrado. Ele não entende e você desenha. Ele responde com uma frase lacônica que faz alusão ao único (dos trezentos e vinte e oito) assunto que você não abordou.

Responderam?

Ah... e ainda querem saber o porque do sapatinho de cristal no início da postagem? Não. Não é da Cinderela não. É um exemplar Alexander McQueen legítimo. Porque é exatamente o que Tetê faria... colocaria um sapatinho de cristal pra lá de básico, ligaria para umas amigas descoladas e sairia... estrada afora. Que nem Chapeuzinho Vermelho em busca de lobos maus nativos. Legítimos mesmo. Furiosos. Esfomeados. Sedentos. Arrebatadores. Maus. Muuuuito maus.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Chaves que realmente funcionam em portas fechadas

Pois é... Tetê sumiu... por um ótimo motivo: lua-de-mel.

De uma hora para outra, sem que ninguém pudesse supor, ela resolve de-fi-ni-ti-va-men-te assumir sua relação com o Piscina de Bolinhas. E não sobrou Tetê pra mais ninguém e pra mais nada. Em todas as instâncias (familiar, social, profissional) Tetê aparece com ele e o apresenta como "meu namorado". Acreditem, a última vez em que isso aconteceu foi em 1989, quando ela estava com o cientista. Desde então era bastante comum vê-la seguidamente com o mesmo homem, mas ela os apresentava pelo nome. E nunca andou de mãos dadas, abraçado ou aos beijos com nenhum deles. Sempre achou isso de uma infantilidade absurda.

Agora é diferente. Depois do susto, parece que o mundo se acostumou a vê-la pendurada nele por todos os cantos da cidade: cafés, restaurantes, cinemas, teatros, museus, galerias, pets, bares, esquinas, reuniões, livrarias, shoppings... Ele é presença constante em todos os momentos e em todos os lugares. Ela não imagina passar um dia sem ele. Eles se falam o dia inteiro, se telefonam e se visitam, se tratam por nomes carinhosos. Ela é uma outra Tetê e ninguém mais duvida: ela não está brincando.

No entanto, o mais interessante não é o que as pessoas estão vendo, mas o que está se passando dentro dela, os limites que ele está transpondo e os terrenos que ela o está deixando invadir. Começando com os finais de semana, que ela odiava dividir com alguém. Qualquer homem que dormisse na sexta era espantado categoricamente antes do almoço de sábado. Sábados e domingos sempre foram dela e só dela (depois do Beto Grude Gabbana isso mudou um pouquinho, é verdade, mas continuou excluindo qualquer outro ser vivo). O melhor amigo de Tetê sempre disse que sábados e domingos eram para amadores e ela sempre concordou com ele. Agora... o Piscina de Bolinhas chega na sexta, sai no domingo e Tetê quase morre quando ele se despede. Esquece completamente que antes dele, o final de semana era dedicado a salão, shopping, livrarias e armários, livros e banhos de cremes, hidromassagens e sais e, mais recentemente, pets e mais pets.

E ontem... houve ontem... um domingo ensolarado e frio... que ela nunca mais vai esquecer. Eles acordaram tarde depois do vinho da noite anterior. Por eles, teriam dormido muito mais, mas o Beto chamava o "papi" insistentemente, e o "papi" não deixa o Beto carente nem por um momento. Café, banho e uma saída rápida para almoçar no shopping. Voltam e assistem "Contato", filme que faz Tetê lembrar do pai dela e chorar adoidado, sentindo-se absolutamente sozinha.

Mas ontem... ela viu "Contato" agarradinha com o Piscina de Bolinhas. E não chorou. Assustou um pouquinho por não ter chorado. Assustou um montão quando sentiu que ele estava muito próximo dela. Quando lembrou que deu a ele a chave do apartamento. Assustou ainda quando percebeu que se referia a ele como "papi" do Beto. E assustou de verdade quando percebeu que ele estava próximo ao seu pescoço. E o pescoço de Tetê, por incrível que pareça, nunca esteve próximo de homem algum. Talvez ela lembrasse de vampiros, de ataques de animais selvagens, talvez sentisse cócegas, talvez simplesmente achasse inconveniente, desagradável, desnecessário. E ontem... antes que ela pudesse pensar em qualquer outra coisa, em qualquer tipo de impedimento, notou que ele estava – sem aviso prévio ou necessidade de consentimento – em seu pescoço. Na zona proibida. Abrindo a última porta, aquela que ela sempre manteve fechada a sete chaves para qualquer outro homem. Ele agora tinha todas as chaves. E ela agora não estava nem um pouquinho assustada. Ela agora estava feliz.

terça-feira, agosto 19, 2008

Múltipla Escolha

Tetê está quieta. Dois fatores podem ter originado essa reação:

a) Tudo está chato.

b) Tudo está perfeito, maravilhoso, charmoso, chiquérrimo, gostoso, suave, glamouroso, deslumbrante, arrasador, amoroso, meigo, translúcido, excelente, primoroso, magnífico, exuberante, surpreendente, encantador, atraente, arrebatador, avassalador, fascinante, sedutor, magnético, estonteante, envolvente...

Para acertos, favor marcar a alternativa "b"...

quarta-feira, agosto 13, 2008

A torradeira elétrica no reino encantado do mundo que dá voltinhas

... Era uma vez, num reino encantado, muitos e muitos anos atrás... um homem bom e lindo. Que cruzou a vida de Tetê como um relâmpago, numa noite que tinha tudo para ser absolutamente comum. O mundo deu uma voltinha, deu outra, e numa determinada manhã de sol, Tetê resolveu realizar um sonho: levar um café na cama para alguém especial. Para isso, utilizou um dos únicos acessórios de cozinha que dá certo com ela: uma torradeira elétrica (todos os outros acessórios são dispensáveis, pois ela não vê funções imediatas nem no forno de microondas). Ele tomou o café e voltou a dormir. E ela, atordoada, lembrou que estava atrasadíssima para o casamento de seu melhor amigo. A solução foi deixar o homem bom e lindo sozinho, ir ao casamento sonhando acordada e voltar voando para casa, onde encontrou o homem bom e lindo... ainda dormindo. Motivo suficiente para mais uma sessão de torradas, no reino encantado.

O tempo passou um pouquinho. O mundo deu outras voltinhas. Tetê levou café na cama para esse homem bom e lindo por várias vezes, sempre utilizando a torradeira e algumas fatias de queijo. Os dois perceberam que aquela torradeira estava vinculando sentimentos, e decidiram colocar um fim nesse ritual: não acordariam mais juntos. E a torradeira foi para o fundo do armário da cozinha de Tetê. Definitivamente.

Mais umas voltinhas no mundo, mais alguns reencontros entre os dois. E o assunto da torradeira sempre vinha à tona como um fiozinho que puxa o passado, a saudade e algum futuro possível. Mas sempre acabavam mudando de assunto, corados e sem graça. Em alguns momentos mais descontraídos nessas voltinhas que o mundo dá, revelavam, no entanto, que a torradeira deveria volta à vida. Onde ela andava? As diaristas de Tetê a encontravam de tempos em tempos, enroladinha, no fundo do armário. Ela era limpa, envolta num feltro cor-de-rosa e devolvida ao seu esconderijo. Ao fundo de um santuário, como um objeto sagrado.

O homem bom e lindo (lógico... o Dono da Caixa Preta. Ou o Piscina de Bolinhas) veio vindo assim, quietinho. E Tetê também foi avançando assim, quietinha. E nessas voltinhas do mundo, eles foram voltando para a torradeira. Até que, sem aviso prévio, sem planejamentos, raciocínio ou planilhas do Excel, voltaram a usar a torradeira. E as torradas e os resultados... hum... que vontade de aposentar de vez o feltro cor-de-rosa...

domingo, agosto 10, 2008

Sensação de...

O contato com a Tetê está cada vez mais complicado! Ela se conectou a um outro mundo, parece uma outra pessoa, planando, envolta em mistérios e estudos, desligada da coerência e da praticidade do dia-a-dia. Acorda tarde, fica um bom tempo na cama se espreguiçando e quando finalmente levanta não sai voando pra resolver problemas em série como sempre fez. Ela está mesmo diferente...

Um bom humor constante, uma risada solta, cabelos soltos (quem diria... para quem só soltava a noite, para dormir...). Ao invés de dos trajes mais básicos para o escritório, agora ela examina o guarda-roupa minuciosamente pela manhã em busca de echarpes, blazers coloridos ou cintos que possam fazer uma diferençazinha num tubinho preto. E perde horas matinais com o Beto, que tossiu duas noites seguidas. Ela largou tudo para levá-lo à "pediatra", e voltou com xarope, mel e recomendação de descanso durante 14 dias (para ele, mas ela acompanha).

Desta forma, agora Tetê chega no escritório as onze, ao invés do costumeiro horário de nove horas. E chega cansada de trabalhar... quer sair, passear, andar de mãos dadas no meio da rua, ir ao cinema, ao teatro, comer pipoca, ver desenho animado em baixo de uma manta xadrez só com o nariz pra fora. Mas ao lado do... dono da caixa preta. Pois é, tá rolando. Para ser mais exata, até que faz tempo que tá rolando. E ela ainda não cansou! Pelo contrário! Não teve vontade de parar de falar, nem de sorrir, nem de ser feliz. Esse cara é realmente um fenômeno...

Ele precisou passar dois dias fora da cidade na semana passada e Tetê ficou sem saber o que fazer. Na ausência dele, ela queria definir em palavras, achar um parâmetro, um signo, uma imagem que pudesse usar todas as vezes em que alguém lhe perguntasse sobre o tal cara. Pensou que uma tarde alegre e descontraída pudesse lhe trazer alguma luz, e como não podia sair pelos shoppings com o Beto, "alugou" a filha de uma amiga e passou uma tarde em programas infanto-juvenis: Mc Donald's, bonecas, boutiques cor-de-rosa, CD's de cantoras mirins norte-americanas que ela nunca vai lembrar quem são, e finalmente, um descanso para o último sorvete em frente a uma piscina de bolinhas. E não deu tempo para ninguém impedir! Em questão de segundos, Tetê se jogou na piscina no meio das crianças, para espanto de todos os adultos e crianças – principalmente da que ela levava pela mão. E aí ela descobriu.

A sensação que o dono da caixa preta lhe passa é essa: ela está sendo levada pelo movimento randômico de milhares de bolinhas coloridas, macias, delicadas, gostosas, que trocam energia entre si e nunca, nunca mesmo, se pode prever se vão afundar ou se vão subir, pois dependem, sensivelmente das condições iniciais do movimento do outro, que está em frente, em cima, em baixo, ao lado dela. Exatamente como na Teoria do Caos. Mas muito mais gostoso do que na Teoria do Caos.

domingo, julho 27, 2008

Primeiros sintomas

Tetê está absolutamente reclusa! Debruçada sobre o conteúdo da caixa preta, afundada em milhares de símbolos, gravações, vozes do passado, análises das situações e conteúdos subliminares que pulam da caixinha a cada nova olhar.

Me atrevo a dizer que ela está, inclusive... revendo suas convicções ateístas! Pelo que Tetê diz ultimamente, a caixinha não é só preta, mas é também mágica! Tetê jura que todas as vezes que olha para ela, os conteúdos se multiplicam, mudam de cor e de textura... não sei se não é chegada a hora de forçá-la a uma consulta psiquiátrica emergencial ou um SPA...

Ela conta que durante os últimos dias sentiu coisas "estranhas". Como se o dono da caixa preta estivesse sempre presente. Diz ela... que ouve a voz dele durante o dia todo. Que sente o cheiro dele até no banho. Que percebe a respiração dele enquanto escova o Beto, sozinha em casa. Diz ainda (cruzes...) que se sente manipulada de alguma forma, que os mais variados sentimentos vão e voltam completamente desordenados, como se ela estivesse perdendo definitivamente o auto-controle (por que será que essa parte faz sentido?).
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Ela jura de pés juntos por exemplo, que durante uma reunião com colecionadores de arte, tem vontade de largar tudo, fazer um capuccino e levar para ele. Conta que enquanto escolhe um sapato pela manhã, tem vontade de se atirar nos braços dele. E tem coragem de afirmar que, enquanto passeia pelos corredores do supermercado, se imagina voando até ele, só para fazer um cafuné inocente, prá lááááá de básico.

Hoje, ao abrir a caixinha mágica (eu, hein...) ela afirma que um objeto levitou até a altura dos seus olhos. Ela só podia ver o verso do objeto, que delicada e lentamente, foi chegando pertinho dela, virando, virando, virando, até ser reconhecido: era um controle remoto, com botões que acionavam funções absolutamente diferentes de qualquer outro controle conhecido. Então ela entendeu: o que ele fez foi justamente isso... construiu um aparelhinho especial, para acioná-la a distância quando bem entendesse.

O pior ainda está por vir... ela diz que está adorando ser acionada a distância!!! Se fosse outro homem qualquer, com certeza ela teria virado a mesa, mandado passear ou simplesmente parado de sorrir e de falar (ela pára de sorrir e fica absolutamente sem assunto quando um homem não a interessa mais. Coisa de louco mesmo, pois acontece em questão de segundos). Mas é ele. É o homem que tem como palavra chave o equilíbrio. O homem que construiu um aparelho e uma história. Para ela, com ela. E que tira dela alguns medos conhecidos, incômodos.

Bem... Tetê até pode perder o medo. Mas significa que o mundo em volta dela deve começar a ter medo do que pode vir por aí, se essa louca continuar sendo "acionada a distância"...

sexta-feira, julho 25, 2008

Um carro na chuva

Faz uns 8 anos mais ou menos. Gustavo, grande (grande, grande, grande, grande, grande) amigo de Tetê estava fazendo um curso em Londres que durava um ano e meio. Tirou duas semaninhas de folga e veio ao Brasil, trazendo um presente para Tetê. Ligou num dia de chuva imensa, disse que estava pertinho do prédio dela e queria um jantarzinho rápido, pois ainda precisava visitar trilhões de pessoas. Pediu para Tetê descer voando.

Tetê desceu voando! Mas ainda teve tempo de perguntar com que carro ele estava, e ele inocentemente informou: um Honda Civic prata. Ele só esqueceu que Tetê não entende coisa alguma de marca de carro!

Ela desce no meio do dilúvio, com uma sombrinha enooorme que não resolvia nada. Um carro prata estaciona bem na frente do prédio e ela desliza (nada) pelo escuro, abre a porta e se joga nos braços do amigo. Ouve um grito... larga do pescoço do Gustavo para ver o que estava acontecendo, e quase enfarta: não era o pescoço do Gustavo...

O homem dentro do carro estava branco de susto. Aguardava o irmão que morava no mesmo prédio e nunca esperou ser agarrado por uma louca alagada e efusiva daquelas. Desculpas vão, desculpas vêm e ela sai do carro arrasada de vergonha. Atrás, um outro carro prata, mas ela faz o motorista abrir a janela antes de entrar. Era, agora o Gustavo. E eles vão jantar morrendo de rir.

Quando Tetê volta o porteiro a esperava com orquídeas. No cartão, um óculos desenhado e o número do telefone. Pois é... o "agarrado à força" desceu e aproveitou que o irmão morava no prédio para conseguir os dados de Tetê. Ela obviamente ligou para agradecer e eles saíram por alguns meses. Foi gostoso, mas assim que a estação das chuvas recomeçou ela achou melhor dar um final digno e seco naquela relação que não era assim, digamos, tão inundada de paixão.

Ontem, saindo de um museu, ela deu de cara com o "agarrado à força", que queria porque queria o novo endereço dela! Foram 25 longos minutos para tentar sair com classe daquela situação. Nada convencia o "agarrado" que ele assim, durante o dia e sob o sol, não fazia diferença alguma. Como com classe não rolou mesmo, foi preciso explicar que ela estava ocupadíssima com análises e laudos de uma caixa preta. O "agarrado à força" então, pediu milhões de desculpas, pois não sabia que ela tinha parentes no último acidente aéreo. Inteligente ele, não?

segunda-feira, julho 21, 2008

Caixa Preta: onde mora a verdade (nem sempre divulgável!)

Tetê teve um jantar muitíssimo gostoso com... bem, vamos esperar um pouquinho pra contar – pedido dela. Deve ser pra não dar azar, atrair olho gordo ou coisa parecida, vai saber! O fato é que o jantar foi gostoso de verdade. Saíram pelas ruas assim que escureceu e procuraram um restaurante chinês (os dois odeiam comida japonesa, sushi, pauzinhos e afins).

O papo rolou solto, como sempre. Sensação de familiaridade. Como na música: aquela velha amizade, aquele papo furado todo fim de noite, num bar do Leblon, meu deus do céu, que tempo bom! Tanto chopp gelado, confissões à beça...

O fato é que quando estão juntos se sentem mesmo no Leblon, em New York, em Cannes, em Londres. Como se fossem, os dois, absolutamente universais e elegantes mesmo metidos em jeans justos e desbotados, andando pelas ruas de Curitiba. De sobremesa, Nhá Benta na Kopenhagen dentro de um shopping. E vitrines. E presentes para o Beto: perfumes de morango e chocolate (que o deixaram irresistível!!!) e uma linda centopéia branca, da qual ele não se separa.

Ele fez questão de promover a entrega da centopéia branca pessoalmente para o Beto. Quer dizer, não deixou – como sempre – Tetê na portaria. Beto amou. Tetê amou. E ele pediu para acessar e-mails. Tetê o deixou sozinho no computador, pois não queria violar a intimidade dele e de suas mensagens eletrônicas. Logo em seguida se despediu. E entrando no elevador, confidenciou que ela encontraria uma surpresa no computador.

Ela atravessou o corredor voando e encontrou uma série de vídeos sobre Prada, Jimmy Choo, René Caovilla, Dior! Que lindo! Que atencioso da parte dele! Mas, o mais lindo de tudo foi um presentinho deixado ao lado do computador dela! Era uma embalagem preta, clássica, verdadeira. Com uma mensagem subliminar pra lá de profunda. Ela chorou de emoção: ele havia, finalmente, decidido abrir a caixa preta e a deixara elegantemente, em repouso, ao lado do computador de Tetê. Aí chega o segundo pedido de sigilo dela: não revelar, por enquanto, o conteúdo da caixa preta. Louca ela, não?

Possivelmente o conteúdo da caixa preta dele vai passar por um lento relatório e análise técnica dela. Mas ela adianta que esse tipo de conteúdo responde exatamente a pergunta da música: Onde foi que ficou? Aquela velha amizade, aquele papo furado todo fim de noite num bar do Leblon...

É. Ele mostrou onde ficou. E resgatou, com confissões à beça!

quarta-feira, julho 09, 2008

Eu tive um sonho ruim e acordei chorando, mas não te liguei

Reprise da novela Pantanal. Logo no início, Juma Marruá – a mulher que vira onça diante dos perigos da vida – sente muita dor e chora. De repente, dá uma parada básica e, com aspecto grave, promete:
- Nunca mais vou chorar nessa minha vida.

Tetê sonhou a noite inteira com uma determinada pessoa. Acordou às 4 da manhã, assustada. Resolveu arrumar gavetas e achou umas fotos antigas. Sentiu muita dor e chorou. Chamou o Beto:
- Diz pra Juma que eu também.

Beto Grude Gabbana assentiu com a cabeça, latiu duas vezes, virou as costas e sumiu no escuro da sala.

terça-feira, julho 08, 2008

Semana internacional do vestido

Tetê chegou em casa ontem e soube que a greve dos Correios não atingira os trajetos internacionais: um grande pacote a esperava na portaria. O remetente era o cientista (quanto tempo!!!). Desde fevereiro ela tinha notícias dele.

Desde o nascimento do Beto Grude Gabbana, Tetê não consegue chegar em casa e abrir sua correspondência nos primeiros 40 minutos, pois ele monopoliza toda a atenção e ataca todos os pacotes e envelopes. Portanto, mesmo curiosa, atendeu a todos os latidos, lambidas, mordidas e gracinhas do Beto que nessa semana pegou um porco de borracha alaranjado pra Cristo. Enquanto ele não conseguiu que Tetê jogasse o porco de borracha alaranjado pela casa inteira para que ele devolvesse o brinquedinho todo babado (por mil vezes seguidas), não sossegou. Quando enfim perdeu o interesse pelo porco alaranjado, sentou bonitinho em frente da televisão ligada no Discovery Kids (ele ama!) e Tetê pode, exausta, pegar uma taça de vinho e abrir o pacote bááásico.

Que sorte! Ela estava sentada, caso contrário teria caído dura no chão. No pacote um vestidinho vermelho francês, drapeado, que ela não via desde 1990... quando desmancharam o apartamento no Rio, o cientista foi morar em N.Y. e ela em Curitiba (um desastre, ela sabe disso). Ela embarcou antes para o sul para não ter que se despedir dele no aeroporto. Aeroporto, para os dois, tinha um significado especialíssimo, se vocês lembrarem da forma como ele a pediu em casamento. E já que ele embarcou uma semana depois dela, sobrou para ele resolver as últimas situações práticas da vida a dois que chegava ao fim. Uma dessas situações incluiria uma visita à lavanderia de Ipanema, mas Tetê não lembrava disso. Apagou completamente de sua mente as coisas lindas que deixava para trás, inclusive esse vestido vermelho deixado na lavanderia, depois de um jantar belíssimo de despedida no Copa, que era o lugarzinho que os dois adoravam.

No bilhete que caiu do vestido, a letra conhecida: "O perfume que você usava em 1990 era muito ruim, pois desde a semana passada ele sumiu completamente do seu vestido. Seu vestido, portanto, perdeu a função no meu guarda-roupa. Se quiser reavivar o aroma, veste que eu te espero na Marquee, na 10th. Me diz quando".

Tetê lembrava da Marquee... uma boate gostosa que tinha uma curiosa escada em forma de arco, da qual eles quase caíram depois de beberem todas! Mas não estava em seus planos viajar agora, ela estava atolada de trabalho. Ligou para ele, agradeceu e deram boas risadas. Ele, sempre um gentleman, sempre atencioso, sempre divertido, sempre generoso, sempre com uma memória e um raciocínio impecáveis.

Quando desligou, Tetê chegou a sentir uma certa melancolia, mas não por ele. O sentimento esquisito era o de poder ligar para todos os ex-namorados com a maior naturalidade e com nível zero de periculosidade, menos para um... mas, como exceção é coisa para ser esquecida, largou o pensamento e pegou o vestido, que ainda servia perfeitamente. Até o Beto Grude Gabbana desviou os olhos do Discovery Kids para olhar a mamãe de vermelho, lançar um humpf humpf humpf gostoso e se aninhar naquela roupa de tecido molinho e desconhecido.
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No dia seguinte, Tetê almoçou com o ator ma-ra-vi-lho-so num restaurante charmoso, numa linda mesinha ao ar livre, com toalha xadrez, florzinha e direito a manjar de sobremesa. Como sempre, falaram sobre tudo e sobre todos. Ele também era um homem tão atencioso, tão gentleman, tão divertido, tão generoso quanto o cientista. Não. Ele era mais, muito mais. Muito mais tudo isso e muito mais tudo o mais. Depois do manjar, andando na rua de mãos dadas, ele lembrou de um réveillon no qual Tetê usou um vestidinho branco, justo e transparente...

domingo, junho 29, 2008

Depois de várias gotas d'água: a bonança

Finalmente Tetê foi jantar com o Mário do Dupont preto laqueado! Ela adiou o quanto pode, remarcou três vezes, deu três desculpas bem esfarrapadas e ele acreditou em todas, sem questionar... o que acendeu, sem dúvida, um alerta vermelhinho básico: um homem que insiste de uma forma tão meiga, que é tão complacente, tão bonzinho... ih... problema à vista, com certeza!

O jantar transcorreu numa boa, ele escolheu um bom vinho mas deixou que ela escolhesse o prato: "tanto faz, você é quem sabe". Convidou-a para um cineminha no dia seguinte e ela perguntou qual o filme: "tanto faz, você é quem sabe". Perguntou se ela queria sobremesa e pediu que escolhesse a dele também. Depois de pagar a conta perguntou se ela queria esticar num barzinho, ela podia escolher qualquer lugar... ela deu o nome de dois lugares e perguntou qual ele gostava mais: "tanto faz, você é quem sabe". Ah! Então tá bom! Tetê entendeu porque um homem lindo como aquele estava disponível.

Mário era do tipo bonzinho. Aquele homem que impressiona na primeira vez e perde as rédeas depois da segunda frase. É o homem que aceita tudo, não tem voz ativa e, mesmo frustrado com alguma situação, continua sorrindo gentilmente. Tetê conheceu duas versões desse tipo de homem e não gostou de nenhuma delas. Primeiro, o cara que diz "tanto faz" pra tudo porque não está nem aí, e segundo – e pior – porque não tem personalidade alguma e acha que o mundo é assim mesmo, um eterno conformado diante dos fatos.

Ah, não! Depois de tantos homens complicados, um "tanto faz" não estava nos planos de Tetê! Ela toma decisões o tempo todo por ela mesma – e agora pelo Beto Grude Gabbana. Ela escolhe galerias, artistas, molduras, ração para o Beto, champagnes, convites, roupas, sapatos, coleiras para o Beto, mestres de cerimônias, assessores de imprensa, brinquedos para o Beto, patrocinadores, logomarcas, pediatras para o Beto, funcionários, anéis, pulseira, brincos, pets para o Beto, perfumes, bolsas, restaurantes, tosas para o Beto... como lidar com um homem que precisa que ela faça as escolhas por ele?

Ela não quis escolher o barzinho, disse que preferia ir para a casa e ligar para ele na próxima semana. Advinha o que ele disse??? "tanto faz, você é quem sabe". E ela soube, e como soube! Soube que não há elegância que supere a falta de iniciativa de um homem. Soube que uma noite com o Beto Grude Gabbana é muito mais divertida do que uma noite com um homem que não se posiciona. Soube que não tem vontade alguma de "dirigir" uma relação. Soube que onde não há discussão não há glamour. Soube que odeia fazer o papel de homem, tendo ao lado um homem que faz o papel de mocinha comportada. Soube que odeia quando um homem telefona para ela quinze vezes por dia, ela pede para ele ligar dali a 10 minutos, e ele liga meeeesmo. Soube que homem que é homem, tem que bater de frente com ela. Competir com ela. Discutir com ela. Desafiar as vontades dela. Desobedecer as ordens dela. Responder à altura as provocações dela. Discordar dela. Guerrear com ela. Fazer confusão com ela. Atacar as idéias dela. Caso contrário... tanto faz para ela...

Voltou para casa furiosa por ter desperdiçado uma noite com o Dupont preto laqueado e chegou a conclusão de que esta era a gota d'água. Na verdade, esta era a cachoeira! Da próxima vez que um homem insistisse tanto, ela não deixaria mais o Beto sozinho, tadinho dele. Ele sim, tinha personalidade forte. Ele sim, olhava para ela como quem diz: ou me dá essa sandália que tem um saltinho gostoso de morder, ou para mim será a gota d'água. E Tetê, feliz e satisfeita, tirou dos pés sua Glória Funaro, satisfez o Beto e se sentiu em paz. Profundamente em paz. Até ligou para o ator ma-ra-vi-lho-so, de tanta paz!!! Com ele, as gotas d'água sempre foram outras... e ela queria uma bonança básica, que só ele tinha...


sábado, junho 21, 2008

Jump de uma, castigo de três

A semana foi intensa: reuniões todos os dias, planejamento de novas exposições, frio de O°, jantares... mas Tetê não descuidou da coisa mais poderosa que as mulheres têm: as amigas. Lembram das dorzinha "ali do lado, bem acima do quadril" da Drica? A amiga continuava se queixando e Tetê marcou um clínico geral de confiança, o famoso médico de família.

Drica explicou ao médico, bastante chateada, que a dorzinha chegara no mês passado e não ia embora de jeito algum. Doía para sentar, doía para dormir, doía para levantar, doía para dirigir, doía para andar. O médico fez trilhões de perguntas e trilhões de exames e finalmente localizou o exato lugar da dorzinha – Drica pulou quando ele colocou a mão exatamente no ponto, e ele deu de ombros, explicando que não era nada sério desde que ela tomasse alguns cuidados pois havia um problema num ligamento que tenderia a passar com o tempo.

Drica voltou da sala de exames e ouviu, aliviada, que não tinha nada sério e que se seguisse direitinho as recomendações o incômodo não tardaria a passar. No meio das recomendações, o médico perguntou o que ela fazia quando sentiu a dorzinha pela primeira vez. Drica, visivelmente nervosa e angustiada, gaguejou:
- Eu... estava fazendo jump...

Tetê se virou para a amiga com cara de quem viu um fantasma. Jump? Drica? Drica no Jump? Academia? Drica? Ginástica? Drica na Academia? Aquilo soava surreal demais... mas ficou quietinha ao notar que a amiga lhe lançou um olhar de súplica urgente, como quem implora por nenhum comentário.

O médico pediu a Drica que durante os próximos três meses não chegasse perto do Jump novamente e ela prometeu distância da atividade. Tetê olhou novamente para a amiga e viu uma lágrima rolando. Teve certeza, nesse momento, de que algo muito, muito, muito, muito errado mesmo estava acontecendo ali. Diante da lágrima da paciente, o médico se desdobrou em palavras gentis, garantindo que eram só três meses, que depois desse período ela deveria voltar lá para se certificar que o esforço pela abstinência da ginástica teria valido a pena. E a cada palavra do médico, Drica chorava mais. Até o momento em que Tetê decidiu acabar com aquela consulta depressiva, disse que ajudaria a amiga a se manter longe do Jump pelo tempo que fosse necessário, amparando-a em todas as recaídas, etc., etc., etc.

Saíram da sala do médico e Tetê perguntou que diabos Drica fazia numa academia fazendo Jump, e porque estava sendo tão difícil abandonar a prática que – pensava Tetê – a amiga abominava. E Drica, muito sem graça, contou que o Jump na realidade não era bem uma modalidade de ginástica, mas um garotão que conheceu recentemente, extremamente atlético, e que juntos praticaram atividades de altíssimo impacto... e agora, ela não poderia ter atividades nem de médio impacto durante três meses!

Que situação deprimente! Só havia uma atitude a tomar diante de tamanha desgraça: convocar as amigas loucas para uma noitada. E juntas, Tetê, Drica, Má e Lu foram afogar as mágoas e tomar um pilequinho homérico no Hermes. Saíram de lá altamente solidárias com a Drica, às 3 da manhã, meio miando, meio engatinhando, e prometendo que nenhuma delas praticaria atividades de altíssimo impacto durante o período de convalescença da Drica. No dias seguinte, as três acordaram em pânico: qual o castigo que teriam se quebrassem a promessa? Escondido da Drica, lógico... E Tetê ainda tinha o jantar com o Dupont preto laqueado dali a dois dias...

segunda-feira, junho 16, 2008

Elegâncias, sincronias e charmosos personagens em encontro na plataforma...

Em outubro do ano passado, YSL – em campanha de lançamento do Elle – criou uma ilha no Second Life, onde os visitantes podiam criar obras inspiradas no perfume. Elegantérrimo, optou por duas cores conhecidas na nova ambientação: verde e rosa.

No final de semana passado, elegantérrimo, Jamelão entrou numa viagem virtual – sem volta – saindo das cores de sua ambientação conhecida: verde e rosa.

Os dois eram paixões eternas de Tetê. Os dois eram estrelas. Os dois andavam com ternos personalizados. Os dois desfilavam. Os dois exalavam alegrias infinitas. Os dois eram fanáticos por suas artes e suas escolas. Os dois atraíam multidões. Os dois fizeram do mundo uma avenida mais charmosa. Os dois criaram tendências. Os dois confeccionaram conceitos. Os dois puxaram verdades. Os dois fizeram chorar. Os dois foram brincar na plataforma da estação (Primeira!) virtual.

Em Mangueira, quando morre um poeta todos choram. Na alta costura, quando morre um gênio, também. Se esses dois resolverem se encontrar na plataforma do Second Life será um escândalo. Tetê tem certeza absoluta que YSL olhará para o terno verde e rosa de Jamelão e reclamará do corte. Também sabe que Jamelão, no seu bom humor habitual, mandará YSL procurar sua turma. YSL oferecerá um champagne e Jamelão virará a mesa pedindo uma cachaça básica. No final do jogo virtual, no entanto, os dois sairão abraçados: YSL com os elásticos de Jamelão enrolados nos dedos. Jamelão com a gravata de YSL toda torta por cima do terno. Será que, como pioneiro e anfitrião na plataforma, YSL poderia fazer a gentileza de usar um terno branco e um chapéu de palha? Afinal, a música de Jamelão não é de levantar poeira...

quarta-feira, junho 11, 2008

ai-me-u-de-us-que nóóóóó

Mesmo morrendo de vontade de ir jantar com o Dupont preto laqueado, Tetê decidiu continuar sendo elegante. Prolongou o mais que pode o telefonema, até ter uma boa idéia. E teve: no dia seguinte ela havia se comprometido com a Drica para ver a Parsons Dance. No outro dia seguinte estava comprometida com o ator ma-ra-vi-lho-so. E no outro outro dia seguinte tinha um jantar com amigos. Ora! O Dupont precisava saber, desde o início, que ela não estava assim tãããão disponível (mesmo que estivesse beeeem disponível...). Optou por marcar o jantar para a próxima semana, e mesmo assim, ele achou ótimo. E Tetê achou mais ótimo ainda, pois o interesse dele só cresceu.

Tetê realmente foi ver a Parsons Dance com a Drica. Um frio de matar, mas as duas lá no teatro, firmes. O primeiro número não foi muito empolgante, o segundo também não... o terceiro também... mas veio um intervalo e elas saíram para tomar um café e decidir se ficavam ou iam embora. Ah! Ficaram! Eram vários bailarinos no palco, com coreografias que lembravam um pouco o Hair e, como disse a Drica, meio american way of life, e elas esperavam algo explosivo com Débora Kolker. Mas era um bom espetáculo, afinal. E começou outro número... e outro... e eis que de repente elas suspiraram simultaneamente.

No palco, sozinho, sem camisa, calça branca, um belíssimo exemplar masculino. Belíssimo não, o homem era perfeito. No tamanho certo. Na cor certa. Nos trajes (ou na falta deles) certos. Com movimentos certos. Era uma cena perfeita, inebriante, mágica. Aquele exemplar perfeito tinha a pele negra e os cabelos (again...) compridos (again...) presos com milhões de miçangas, que balançavam pra lá e pra cá de forma hipnótica para Tetê. O tempo parou ali e Tetê parou nas trancinhas com miçangas.

Tetê perguntou a Drica o que fazer para conhecer as trancinhas, mas Drica não respondeu, estática que estava. Foi tudo muito rápido, muito violento e explosivo. Nem Débora Kolker com o espetáculo Nó conseguiu prender tanto a atenção de Tetê em torno de nós como o tal bailarino com trancinhas com miçangas. Ela pensou que poderia rezar um terço naquelas miçangas. Que passaria horas desatando aqueles nós, naqueles cabelos. Que daquela noite em diante, seria discípula de Nossa Senhora Desatadora de Nós. Que se tornaria uma Bandeirante e aprenderia tudo sobre nós. Que aprenderia a pescar para dar nó de pescador. Que faria um curso de cabeleireiro no SENAC. Que faria especialização em cultura afro. Que estudaria ballet. Que mudaria para N.Y. e seria camareira da Companhia. Que se ofereceria para lustrar as miçangas dele todas as noites. Que aprenderia todas as músicas do Milton Nascimento. Aliás, iria até o Milton, pessoalmente, para analisar as tranças e as miçangas dele. Que se atualizaria em hidratação nos melhores salões de Ipanema...

Mas acabou o espetáculo e Drica fez Tetê voltar para a realidade. Não adiantaria ir até o camarim... o que dizer para o deus afro e suas tranças com miçangas? Eram onze e meia da noite, estava 2 graus lá fora e elas tinham que acordar cedo no dia seguinte. Sem tranças, sem miçangas, sem dancers. E, para completar, Drica estava se queixando de uma dorzinha bem aqui do lado, em cima do quadril. E era verdade pois Tetê notou que a amiga se remexeu bastante na cadeira durante o espetáculo, mas, egoísta e hipnotizada que estava, não deu a atenção devida para a dorzinha da amiga.

Tetê voltou para casa sem dancers, sem miçangas nem tranças, mas com duas incógnitas: o que tinha em casa com nós para ela desatar? O que seria a dorzinha da Drica? Tetê dormiu sem nenhuma resposta. Preocupada com a amiga e inteiramente enrolada com nós.

terça-feira, junho 10, 2008

Fogo amigo. Amigo? Só amigo???

As amigas da Tetê estavam no inferno astral – independente das datas em que faziam aniversário. As casadas estavam em crise... e as sozinhas... se sentiam pior ainda. Mas uma fazia aniversário de verdade e era isso que importava. As outras tinham a obrigação de segurar a onda daquela que ficava mais velha, e a obrigação maior ainda de esconder a cara de enterro e aparecerem lindas na festa.

Depois de uma certa idade é um saco comemorar o nascimento! Além do próprio, a gente passa a comemorar o nascimento de mais uma ruga e do mais novo furinho de celulite. Mas já que a idade chegava para todas e fazia tempo que não se reuniam, foi um tal de tirar do armário aqueles vestidinhos que há muito não encontravam razão de ser, os sapatos, as bolsas, as jóias e adereços que não usavam mais por pura falta de oportunidade. Apareceram todas solidárias e lindas para o niver da Cris: um vestido turquesa com um belo casaco branco. Um terninho preto com um lindíssimo par de botas verdes e colarzinho básico de esmeraldas. Um tailler pérola com um magnífico sapato vinho. Um macacão marinho e adereços vermelhos. E assim por diante, até chegar na Tetê, simplesmente de saia dourada, blusa desfiada branca e uma bolsa branca Fendi transadíssima. E a festa era só para mulheres!

Bebidinha vai, bebidinha vem, Cris recebe a ligação de um amigo. Que logo notou a festa rolando e perguntou se podia ir também e levar outros amigos. Resposta positiva na ponta da língua e a campainha não demorou a tocar, trazendo com o dim dom quatro amigos fan-tás-ti-cos! E Tetê, lógico, elegeu um deles como o mais cute da história. Mário. Bonito nome! Lembrava mar, lembrava rio, lembrava tudo o que era gostosinho. E o tal Mário, sentado ao lado dela, demonstrava todas as qualidades imprescindíveis de um homem: charmoso, inteligente, bom papo, bom terno, booom cabelo comprido (ai, mas tinha terno), boooom sapato, boooom celular Prada que tocava Bolero de Ravel... e o melhor de tudo, o que definiu a noite: ele tirou do bolso do paletó uma cigarreira (sim, isso ainda existia nos homens de bom gosto) e... um isqueiro Dupont preto, laqueado! Tetê ficou desconfiada. Seria realmente um Dupont preto laqueado, legítimo? E resolveu abrir a própria cigarreira (conexão estabelecida instantaneamente e sem palavras...), movimento que o fez voar com o Dupont para acender o cigarro dela. E assim, bem pertinho dos olhos, ela viu a assinatura original no isqueirinho!

Como Tetê estava na marca do quarto Jack Daniel's, a descoberta do Dupont de Mário se tornou extremamente perigosa. Antes de fazer besteirinhas, achou mais elegante sair à francesa e sozinha do que agarrada com aquele mar, aquele rio, aquela coisa cheia de charme e objetos interessantes grudados nela. Sabia que se ele estivesse realmente interessado, conseguiria o número dela. E, muito contrariada emocionalmente – mas satisfeita com a elegância que se forçava a ter (ai, que raiva...) – se despediu de todos e snif que ódio de ser elegante foi embora snif que ódio de ser elegante sozinha snif snif snif que ódio de ser elegante.

Dia seguinte... o Prada preto dele acordou o D&G dourado dela, com a seguinte sentença:
- Bom dia, Tetê, é o Mário. Por acaso você ficou com meu isqueiro?
- Humm... bom dia, Mário. Não, não fiquei com seu isqueiro. Estou olhando minha bolsa agora, e ele realmente não está aqui. Você não o esqueceu na casa da Cris?
- Não Tetê, mas não se preocupe. Será que hoje você pode ficar com ele? Enquanto jantamos...

Ai. Ai. Ai. Paraíso again??? E com direito a um Dupont preto laqueado, um mar, um rio???

terça-feira, junho 03, 2008

Oran, Argélia: 1/8/36 - Paris, França: 1/6/08

Domingo frio. Cu-ri-ti-ba. Um balde alaranjado de pipoca assistia – pela 11ª vez, ao lado de Tetê – Camille Claudel. Beto Grude Gabbana que acabara que perder o último dentinho de leite (Sim! A Fadinha do Dente passou por ele!), briga com um pedaço de cenoura baby orgânica aos pés da cama.

Camille começa a enlouquecer e Tetê ouve o telefone tocando. Dá uma pausa no filme para ouvir uma notícia catastrófica, na voz de uma perua inconsolável: YSL morreu. Tetê levanta e vai até a porta da geladeira, onde mantém um grande cartaz com a frase: A roupa mais bonita para vestir uma mulher são os braços do homem que ela ama. Para as que não tiveram essa felicidade, eu estou aqui. Assina: Yves Henri Donat Mathieu-Saint Laurent.

E agora que ele não está mais aqui? Quem vai vestir as mulheres do mundo que não estão nos braços dos homens que amam? E dentre essas mulheres, quem vai vestir Tetê? Ela não está mais nos braços do homem que ama, Camille não está mais nos braços de Rodin, Carrie não está mais nos braços de Mr. Big, Sabina Spielrein não está mais nos braços de Jung, Ethel Michanowski não está mais nos braços de Einstein, Marilyn Monroe não está mais nos braços de Kennedy, Frida não está mais nos braços de Diego... e ele morre! Como assim, YSL morre???

Desde 62 – quando largou Christian Dior – as três letrinhas são sinônimos de conforto espiritual pleno para todas as mulheres. Responsável pela nossa comodidade, nos deixou trabalhar e badalar com calças compridas. Quer dizer, com o insubstituível smoking feminino, chiquérrimo, imortal, meigo. Todas nós, sem exceção (lógico... tirando as punks, funks, rocks e afins) temos uma linha divisória: antes e depois do "Le Smoking". E nada mudará isso.

Das passarelas até o Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque, YSL nos vestiu, nos mimou, nos ninou em braços imaginários. Perfumadas e amadas. Enlaçadas, chorosas, charmosas, saudosas. Em 2002 ele quase nos mata de susto, anunciando sua aposentadoria e se retirando das passarelas. E agora, em 2008, ele nos mata verdadeiramente.

Tetê e todas as amigas fizeram do resto do domingo um dia de homenagens silenciosas. Tetê largou a pipoca e Camille Claudel e se conformou em dar a notícia para todos os nomes femininos da agenda. Até o Beto largou a cenoura baby orgânica dele para se solidarizar com o espírito abaladíssimo de Tetê.

A verdade nua e crua é que ele se foi para sempre. Além do "Le Smoking" e das peças publicitárias polêmicas nas quais ele próprio era o modelo (nu), ele deixa dois tipos de medos no ar: 1º - Valentino também já anunciou sua aposentadoria.... 2º - Tetê não tem mais o consolo básico por não estar nos braços do homem que ama, o que significa uma nova temporada de caça, lógico. Porque nua, ela não pode ficar... não por muito tempo... não agora, sem YSL...

quarta-feira, maio 28, 2008

Estruturas Ondulatórias (?)

Conhecemos o mundo de uma forma confortável, de acordo com os princípios da Física Clássica. Lógico que diante do preço de uma Manolo Blahnik esta comodidade nem sempre se materializa, mas Tetê faz o que pode. No mundo da Física Quântica é um pouquinho mais difícil trilhar com familiaridade um caminho que necessita de certezas: Manolo ou Jimmy Choo? Randômico demais para os simples mortais, e ainda por cima, depende da posição do observador. E o observador é Tetê. Nas vitrines e na vida, ela está observando e influenciando, como reza a nova Física (pela qual ela é apaixonada).

Há uma possibilidade de que os objetos tenham existência simultânea em diversas partes do espaço. Teoricamente, há. Os objetos podem ter estruturas ondulatórias? Podem. Mesmo que esse princípio contrarie nossas experiências pessoais. Enquanto onda, podem aparecer em qualquer ponto do universo (enquanto partículas, seria mais difícil...). Mas Tetê entende a idéia da estrutura ondulatória e lembra de algo que leu e que a marcou profundamente: Uma mesa em nossa sala está firmemente assentada no chão, solidamente recheada por partículas. Se considerarmos a mesma mesa como recheada por ondas, ela estaria ao mesmo tempo em nossa sala e em Alfa Centauro. Se bem que... em Alfa Centauro, ela seria "menos" mesa (por isso ela sentia uma "menos" Mil Miu cor-de-rosa com cristais no salto em sua sapateira: essa era feita de ondas. A de partículas estava, certamente, em Alfa Centauro).

Ai, ai, ai. O que aconteceu? Tetê começou a se sentir solta, ondulatoriamente solta. Alguma coisa foi esfriando entre ela e o Pavão, entre ela e o mundo, entre ela e ela mesma. E a grande culpada era a estrutura ondulatória.

Ela estava conhecendo uma série de homens novos e fazendo sucesso, ao mesmo tempo em que alguns homens do passado voltavam, mas ela andava marcando encontros em Alfa Centauro. Sentia uma certa liberdade em tudo, do cabelo às roupas, dos acessórios ao olhar, das palavras ao fechamento de novos negócios. E hoje ela estava andando pela rua extremamente casual, cabelos ao vento, jeans e uma bolsa enorme, quando sentiu um vento forte. O vento balançou a blusa larga de seda e ela se sentiu ondulando. Ao longe, no final da calçada, um outro cabelo ao vento esvoaçava e ela sentiu um pequeno tremor. O cabelo do final da rua era de partículas que voavam, assim como o cabelo dela. E em câmara lenta ela foi se aproximando, até o vento parar completamente. A poucos metros daqueles cabelos que não a viam, Tetê entendeu o que estava acontecendo: ela já não era da mesma matéria, feita com as mesmas partículas, enquanto ele permanecia exatamente o mesmo.

Teve um ímpeto de ir ao seu encontro, mas em questão de segundos o vento voltou a soprar fortemente. Levantou os cabelos dele. Levantou os cabelos dela e balançou a blusa, tornando-a absolutamente, definitivamente, uma onda. Tetê era uma onda nova e estava ao mesmo tempo naquela calçada e em Alfa Centauro. Não, na 5ª Avenida! Ela estava mais na 5ª Avenida do que naquela calçada com ele. E validou suas noções de Física Quântica. Enquanto ele se virava lentamente, ela desviou por trás dele. Ele não a viu. E ela, ondulatória e determinada, seguiu sendo mais real em seu pensamento de 5ª Avenida do que naquela rua de ventania em Curitiba.

terça-feira, maio 20, 2008

Em caso de emergência...

Tetê chegou em casa animadíssima: comprou fraldas novas para o Beto e um baú de brinquedinhos diferentes que faziam fiu fiu, fom fom, tec tec, glup glup, nhec nhec, milhões de alternativas de diversão saudável, pois aquele ser canino está destruindo a casa inteira.

Beto Grude Gabbana cresce e se desenvolve a cada dia, mas aquela história de que é de uma raça calma, propícia para meditação com os monges do Tibet não cola mais. Ou o Beto é paraguaio ou o último monge do Tibet viu que ele tinha déficit de atenção e o jogou de paraquedas para um país tropical.

Ela estava começando a abrir os pacotes dos brinquedinhos quando o celular tocou:
- A senhora conhece o fulano?
- Sim, conheço.
- Ele sofreu um acidente grave e está aqui no hospital. Achamos seu telefone na agenda dele, na página de "Em caso de emergência favor avisar".

Tetê quase surtou. Primeiro por ser uma página virada, por fazer parte de um passado que ela (quase...) não lembrava mais. Segundo porque em casos de emergência ela é uma nulidade: simplesmente desmaia e pede champagne.

Sem tempo para pensar, pegou a bolsa e voou para o hospital. Ainda no elevador, viu que a bolsa se mexia um pouquinho: por engano ela pegou o Beto. Voltou, deixou o Beto e agora sim, pegou a bolsa. Tremendo feito doida na portaria do hospital, tenta falar com médicos, enfermeiras, atendentes, mas ninguém sabia informar onde ele estava. Ela explica que recebeu uma ligação, mostra o número no celular e garantem para ela que a ligação era de lá mesmo.

Nesse hora, ela já pensa no pior: ele inteiro detonado, enfaixado como uma múmia, à beira da morte. Morte??? E ela sem um pretinho básico de meia-estação??? Até poderia usar aquele Versace, mas ele era decotado demais, e essas ocasiões sempre pedem algo mais meigo. Ou mais trágico: véus, chapéus, luvas, um tubinho com barra de renda... bem, mas ela ainda não tinha localizado o paciente a beira da morte, e estava ficando cada vez mais nervosa. Como avisar a família? Os amigos? A imprensa?

Médico vai, médico vem, atendente vai, atendente vem, milhões de enfermeiros e enfermeiras transitando com aqueles modelitos brancos cafonérrimos e ninguém dá uma informação. E ainda por cima, gente chegando, gente chorando, gente dando a luz, uma verdadeira torre de babel. Muito tempo depois, Tetê é encaminhada para um médico liiiindo, grisalho, atlético... vai até ele e com a maior cara de frágil explica que seu namorado – quer dizer, seu ex namorado – está no finalzinho da vida e ela foi chamada as pressas, mas não consegue localizá-lo. O médico liiindo diz que sabe onde ele está, pede que ela fique calma pois vai acompanhá-la até o namorado. Até o ex namorado, ela corrige! Mas agora, ao lado deste magnífico homem de branco, ela realmente está calminha, calminha!

Calminha até chegarem no quarto onde está aquele maldito ex... o louco tropeçou num livro e está com um esparadrapo na testa, sentado, lendo jornal, ao lado de um imenso arranjo de flores. E Tetê agarrada no braço daquele médico liiindo, nervosíssima, aos prantos e quebrando a cabeça para decidir a roupa de enterro do infeliz.

Médico liiindo ri, ex idiota ri. Médico liiindo diz:
- Ele achou que podia lhe fazer uma surpresa! Gostou?

Ainda pasma e enfurecida, Tetê respondeu sem um pingo da fragilidade demonstrada instantes atrás:
- Quem vai gostar mesmo é o senhor, que vai ter um montão de trabalho quando eu acabar de quebrar de verdade esse idiota.

Largou calmamente o braço do médico liiindo, virou as costas e voltou para as patas e lambidas do Beto Grude Gabbana, que estava acabando de destruir uma galinha de barro liiinda, obra de uma grande ceramista carioca que ela adorava. Pelo menos com a galinha a emergência foi real.

terça-feira, maio 13, 2008

Dia difícil!

Uma foto do prédio da Rua Rainha Elizabeth em Ipanema... uma foto dela garotinha, um ano e meio, sentada numa enooorme cama de casal recheada por mais de 200 brinquedos diferentes, linda, linda, linda... um vaso cheinho de penas de pavão, canecas e canecas de café com leite, um cinzeiro lotado e um vídeo do Lenine cantando "Paciência" ininterruptamente na tela do computador. Essa é a mesa de trabalho da Tetê. Hoje. E somente hoje.

O que foi? Ela não sabe. Não exatamente. Talvez tenha sido a escova progressiva de sábado que demorou à beça, o celular que não pára, a próxima exposição atrasada, os contratos, as certidões, os prazos, a unha que quebrou, o salto da bota que caiu ali na esquina, o Beto que ficou com soluço a noite inteira, a missa de sétimo dia do dentista, o amigo em apuros, a amiga tendo bebê, alguma palavra torta recebida no meio da manhã, uma discussão insossa no meio da tarde, a impotência, o frio de Curitiba, a urgência no mundo dos negócios que ela não está a fim de alimentar (não hoje!), o trânsito infernal logo pela manhã, as flores de plástico do prédio vizinho que caem no terraço quando venta muito, o filme brasileiro dramático de ontem de madrugada, uma barra de chocolate amargo, o amargo de tudo. Não dá pra saber exatamente, mas Tetê foi tomada por um sentimento de exaustão absoluta, como se todos os botões estivessem dando pane ao mesmo tempo. Ela tentou ir ao shopping no almoço e não gostou de nada, nem na Victor Hugo. Precisou de um blaser e todos ficaram grandes. Procurou por uma luva de couro e só achou vermelha (ughhhh).

Tetê está fazendo um balanço de todos os apetrechos que estão em volta dela. Alguns são só fantasmas, outros são concretos. Mas parece mesmo que todos têm peso e massa – mesmo os distantes – e incomodam, e dão trabalho, e solicitam, e cobram. Se ela tivesse uma chave de fenda e pudesse começar a desparafusar engrenagens, se entregaria a tarefa com um impulso inabalável... mas as engrenagens, de uma forma ou de outra, estão aí para segurar alguma coisa e é arriscado por demais entrar em trabalho de desconstrução num dia como esse.

Ela não sabe de que forma pode apertar os parafusos no lugar de afrouxá-los... Se pelo menos pudesse se entregar a um Manhattan bem preparado... num deslumbrante restaurante em Nova York, ou mesmo em Lisboa... qualquer coisa, qualquer lugar onde aterrissassem aviões e tivesse táxi com aquecimento. Talvez uma neve do lado de fora, uma gostosa suíte de um enorme hotel, camareiras atenciosas e comidinha internacional... talvez uma passada numa joalheria diferente, uma pulseirinha Cartier beeeeeem básica... aquelas normais mesmo, com parafusinhos, igual a que ela perdeu na saída da Pizzaria Guanabara no Baixo Leblon, ao subir numa moto de madrugada... pelo menos, ao brincar com os parafusinhos da Cartier, ela não correria riscos de soltar o que é extremamente necessário. Ai, ai, ai. Viva os parafusos e apetrechos de Cartier e abaixo as engrenagens da Tetê. Rimou, né? E com segurança...

quarta-feira, abril 30, 2008

Conflitos de agendas

As coisas estavam indo mais ou menos bem, obrigada. Mas para Tetê, "mais ou menos" é significado de tragédia eminente. Ela está acostumada a trabalhar 10 horas por dia e ninguém tira isso dela. Todos os homens de sua vida trabalhavam 11 horas por dia e ninguém tirava isso deles. O que significa que entre os horários de Tetê e os horários daqueles homens, sobrava uma horinha pra ela...

O Pavão é dono de uma situação financeira pra láááááááá de razoável, não se preocupa com horários, compromissos e itens afins... ele acorda cedo para ver os filhos irem para a escola e volta a dormir. Acorda novamente as 10 e quer falar com a Tetê. Depois do almoço ele dorme outra vez, e quando acorda... depois ele vai para uma sauna diária e janta fora com as crianças. Quando volta pra casa, ele quer.... e nos finais de semana ele quer... e no meio da semana ele quer... enfim, ele sempre quer a Tetê, mas a Tetê não concilia essas agendas, essas disponibilidades.

Primeiro de maio, feriadão, eles resolvem viajar até Itajaí, rever um velho amigo. O que significa um trajeto por terra, já que Itajaí não tem aeroporto. Sem problemas para ela ir de carro, desde que saíssem da portaria da casa de Tetê, mas ele estava em Paranaguá e ela teria que se encontrar com ele lá. Para Paranaguá, também não tem avião... Ele sugeriu um ônibus. Ela surtou e disse que ia de táxi. Ele achou um absurdo e resolveu que ela deveria alugar um carro. Certo – pensou Tetê – sem stress. Ele localizou o carro e marcou tudo. O carro chegou com 20 minutos de atraso, e o motorista insiste em música sertaneja. Tetê não está feliz... não... não está feliz, não...

Além do mais, tentou ser comedida e altamente "esportiva": ao invés de uma mala enorme, leva uma pequena sacola de viagem... sentada, esperando pelo carro com música sertaneja, Tetê olha para a sacola de viagem e não entende como poderá sobreviver 3 dias com as parcas coisinhas que tem ali dentro... por mais que apertasse, só conseguiu colocar duas botas e três sandálias, meio que apertadas no meio de blusinhas, blasers e alguns poucos jeans, cintos, fivelas, pulseiras, xales, e outras cositas indispensáveis. Tudo bem, tudo bem, são só 3 dias, mas em aeroportos ela nunca precisou se preocupar com clima, quantidade ou tamanho de mala.... nem com música ambiente...

Mas essa é só a primeira parte da viagem e ela acha que poderá superar os contratempos. Afinal, é tudo tão diferente... de avião ela vai para qualquer lugar do mundo sozinha. De taxi também. Por que não poderá se adaptar a um carro alugado com motorista sertanejo e uma básica viagem de carro ao lado do namorado? Tudo será divertido e novo, ela tem certeza, apesar de o hotel não ter as duas voltagens que ela está acostumada (ela ligou antes, para se certificar de que o secador de cabelos preferido e inseparável voltaria pra casa sem traumas adicionais...). mas ela quer tentar, jura que quer, e está aberta a uma experiência tão diferente. Resta ter notícias na volta: que poderá ser de carro com o namorado – conforme o cronograma previsto – ou de helicóptero alugado em regime de urgência psíquica.