quarta-feira, maio 28, 2008

Estruturas Ondulatórias (?)

Conhecemos o mundo de uma forma confortável, de acordo com os princípios da Física Clássica. Lógico que diante do preço de uma Manolo Blahnik esta comodidade nem sempre se materializa, mas Tetê faz o que pode. No mundo da Física Quântica é um pouquinho mais difícil trilhar com familiaridade um caminho que necessita de certezas: Manolo ou Jimmy Choo? Randômico demais para os simples mortais, e ainda por cima, depende da posição do observador. E o observador é Tetê. Nas vitrines e na vida, ela está observando e influenciando, como reza a nova Física (pela qual ela é apaixonada).

Há uma possibilidade de que os objetos tenham existência simultânea em diversas partes do espaço. Teoricamente, há. Os objetos podem ter estruturas ondulatórias? Podem. Mesmo que esse princípio contrarie nossas experiências pessoais. Enquanto onda, podem aparecer em qualquer ponto do universo (enquanto partículas, seria mais difícil...). Mas Tetê entende a idéia da estrutura ondulatória e lembra de algo que leu e que a marcou profundamente: Uma mesa em nossa sala está firmemente assentada no chão, solidamente recheada por partículas. Se considerarmos a mesma mesa como recheada por ondas, ela estaria ao mesmo tempo em nossa sala e em Alfa Centauro. Se bem que... em Alfa Centauro, ela seria "menos" mesa (por isso ela sentia uma "menos" Mil Miu cor-de-rosa com cristais no salto em sua sapateira: essa era feita de ondas. A de partículas estava, certamente, em Alfa Centauro).

Ai, ai, ai. O que aconteceu? Tetê começou a se sentir solta, ondulatoriamente solta. Alguma coisa foi esfriando entre ela e o Pavão, entre ela e o mundo, entre ela e ela mesma. E a grande culpada era a estrutura ondulatória.

Ela estava conhecendo uma série de homens novos e fazendo sucesso, ao mesmo tempo em que alguns homens do passado voltavam, mas ela andava marcando encontros em Alfa Centauro. Sentia uma certa liberdade em tudo, do cabelo às roupas, dos acessórios ao olhar, das palavras ao fechamento de novos negócios. E hoje ela estava andando pela rua extremamente casual, cabelos ao vento, jeans e uma bolsa enorme, quando sentiu um vento forte. O vento balançou a blusa larga de seda e ela se sentiu ondulando. Ao longe, no final da calçada, um outro cabelo ao vento esvoaçava e ela sentiu um pequeno tremor. O cabelo do final da rua era de partículas que voavam, assim como o cabelo dela. E em câmara lenta ela foi se aproximando, até o vento parar completamente. A poucos metros daqueles cabelos que não a viam, Tetê entendeu o que estava acontecendo: ela já não era da mesma matéria, feita com as mesmas partículas, enquanto ele permanecia exatamente o mesmo.

Teve um ímpeto de ir ao seu encontro, mas em questão de segundos o vento voltou a soprar fortemente. Levantou os cabelos dele. Levantou os cabelos dela e balançou a blusa, tornando-a absolutamente, definitivamente, uma onda. Tetê era uma onda nova e estava ao mesmo tempo naquela calçada e em Alfa Centauro. Não, na 5ª Avenida! Ela estava mais na 5ª Avenida do que naquela calçada com ele. E validou suas noções de Física Quântica. Enquanto ele se virava lentamente, ela desviou por trás dele. Ele não a viu. E ela, ondulatória e determinada, seguiu sendo mais real em seu pensamento de 5ª Avenida do que naquela rua de ventania em Curitiba.

terça-feira, maio 20, 2008

Em caso de emergência...

Tetê chegou em casa animadíssima: comprou fraldas novas para o Beto e um baú de brinquedinhos diferentes que faziam fiu fiu, fom fom, tec tec, glup glup, nhec nhec, milhões de alternativas de diversão saudável, pois aquele ser canino está destruindo a casa inteira.

Beto Grude Gabbana cresce e se desenvolve a cada dia, mas aquela história de que é de uma raça calma, propícia para meditação com os monges do Tibet não cola mais. Ou o Beto é paraguaio ou o último monge do Tibet viu que ele tinha déficit de atenção e o jogou de paraquedas para um país tropical.

Ela estava começando a abrir os pacotes dos brinquedinhos quando o celular tocou:
- A senhora conhece o fulano?
- Sim, conheço.
- Ele sofreu um acidente grave e está aqui no hospital. Achamos seu telefone na agenda dele, na página de "Em caso de emergência favor avisar".

Tetê quase surtou. Primeiro por ser uma página virada, por fazer parte de um passado que ela (quase...) não lembrava mais. Segundo porque em casos de emergência ela é uma nulidade: simplesmente desmaia e pede champagne.

Sem tempo para pensar, pegou a bolsa e voou para o hospital. Ainda no elevador, viu que a bolsa se mexia um pouquinho: por engano ela pegou o Beto. Voltou, deixou o Beto e agora sim, pegou a bolsa. Tremendo feito doida na portaria do hospital, tenta falar com médicos, enfermeiras, atendentes, mas ninguém sabia informar onde ele estava. Ela explica que recebeu uma ligação, mostra o número no celular e garantem para ela que a ligação era de lá mesmo.

Nesse hora, ela já pensa no pior: ele inteiro detonado, enfaixado como uma múmia, à beira da morte. Morte??? E ela sem um pretinho básico de meia-estação??? Até poderia usar aquele Versace, mas ele era decotado demais, e essas ocasiões sempre pedem algo mais meigo. Ou mais trágico: véus, chapéus, luvas, um tubinho com barra de renda... bem, mas ela ainda não tinha localizado o paciente a beira da morte, e estava ficando cada vez mais nervosa. Como avisar a família? Os amigos? A imprensa?

Médico vai, médico vem, atendente vai, atendente vem, milhões de enfermeiros e enfermeiras transitando com aqueles modelitos brancos cafonérrimos e ninguém dá uma informação. E ainda por cima, gente chegando, gente chorando, gente dando a luz, uma verdadeira torre de babel. Muito tempo depois, Tetê é encaminhada para um médico liiiindo, grisalho, atlético... vai até ele e com a maior cara de frágil explica que seu namorado – quer dizer, seu ex namorado – está no finalzinho da vida e ela foi chamada as pressas, mas não consegue localizá-lo. O médico liiindo diz que sabe onde ele está, pede que ela fique calma pois vai acompanhá-la até o namorado. Até o ex namorado, ela corrige! Mas agora, ao lado deste magnífico homem de branco, ela realmente está calminha, calminha!

Calminha até chegarem no quarto onde está aquele maldito ex... o louco tropeçou num livro e está com um esparadrapo na testa, sentado, lendo jornal, ao lado de um imenso arranjo de flores. E Tetê agarrada no braço daquele médico liiindo, nervosíssima, aos prantos e quebrando a cabeça para decidir a roupa de enterro do infeliz.

Médico liiindo ri, ex idiota ri. Médico liiindo diz:
- Ele achou que podia lhe fazer uma surpresa! Gostou?

Ainda pasma e enfurecida, Tetê respondeu sem um pingo da fragilidade demonstrada instantes atrás:
- Quem vai gostar mesmo é o senhor, que vai ter um montão de trabalho quando eu acabar de quebrar de verdade esse idiota.

Largou calmamente o braço do médico liiindo, virou as costas e voltou para as patas e lambidas do Beto Grude Gabbana, que estava acabando de destruir uma galinha de barro liiinda, obra de uma grande ceramista carioca que ela adorava. Pelo menos com a galinha a emergência foi real.

terça-feira, maio 13, 2008

Dia difícil!

Uma foto do prédio da Rua Rainha Elizabeth em Ipanema... uma foto dela garotinha, um ano e meio, sentada numa enooorme cama de casal recheada por mais de 200 brinquedos diferentes, linda, linda, linda... um vaso cheinho de penas de pavão, canecas e canecas de café com leite, um cinzeiro lotado e um vídeo do Lenine cantando "Paciência" ininterruptamente na tela do computador. Essa é a mesa de trabalho da Tetê. Hoje. E somente hoje.

O que foi? Ela não sabe. Não exatamente. Talvez tenha sido a escova progressiva de sábado que demorou à beça, o celular que não pára, a próxima exposição atrasada, os contratos, as certidões, os prazos, a unha que quebrou, o salto da bota que caiu ali na esquina, o Beto que ficou com soluço a noite inteira, a missa de sétimo dia do dentista, o amigo em apuros, a amiga tendo bebê, alguma palavra torta recebida no meio da manhã, uma discussão insossa no meio da tarde, a impotência, o frio de Curitiba, a urgência no mundo dos negócios que ela não está a fim de alimentar (não hoje!), o trânsito infernal logo pela manhã, as flores de plástico do prédio vizinho que caem no terraço quando venta muito, o filme brasileiro dramático de ontem de madrugada, uma barra de chocolate amargo, o amargo de tudo. Não dá pra saber exatamente, mas Tetê foi tomada por um sentimento de exaustão absoluta, como se todos os botões estivessem dando pane ao mesmo tempo. Ela tentou ir ao shopping no almoço e não gostou de nada, nem na Victor Hugo. Precisou de um blaser e todos ficaram grandes. Procurou por uma luva de couro e só achou vermelha (ughhhh).

Tetê está fazendo um balanço de todos os apetrechos que estão em volta dela. Alguns são só fantasmas, outros são concretos. Mas parece mesmo que todos têm peso e massa – mesmo os distantes – e incomodam, e dão trabalho, e solicitam, e cobram. Se ela tivesse uma chave de fenda e pudesse começar a desparafusar engrenagens, se entregaria a tarefa com um impulso inabalável... mas as engrenagens, de uma forma ou de outra, estão aí para segurar alguma coisa e é arriscado por demais entrar em trabalho de desconstrução num dia como esse.

Ela não sabe de que forma pode apertar os parafusos no lugar de afrouxá-los... Se pelo menos pudesse se entregar a um Manhattan bem preparado... num deslumbrante restaurante em Nova York, ou mesmo em Lisboa... qualquer coisa, qualquer lugar onde aterrissassem aviões e tivesse táxi com aquecimento. Talvez uma neve do lado de fora, uma gostosa suíte de um enorme hotel, camareiras atenciosas e comidinha internacional... talvez uma passada numa joalheria diferente, uma pulseirinha Cartier beeeeeem básica... aquelas normais mesmo, com parafusinhos, igual a que ela perdeu na saída da Pizzaria Guanabara no Baixo Leblon, ao subir numa moto de madrugada... pelo menos, ao brincar com os parafusinhos da Cartier, ela não correria riscos de soltar o que é extremamente necessário. Ai, ai, ai. Viva os parafusos e apetrechos de Cartier e abaixo as engrenagens da Tetê. Rimou, né? E com segurança...