segunda-feira, dezembro 03, 2007

O cadáver

O primeiro pretendente que concordou em conhecer a Tetê era bastante charmoso. Marcaram um almoço e ele foi um gentleman. Era um homem de 50 anos, elegante, divorciado com 2 filhas que moravam em São Paulo (uma médica e outra advogada). Executivo de uma grande instituição bancária e com uma vida financeira estabilizada, curtia as boas coisas da vida como viagens e bons restaurantes, carros importados, jazz e ópera.
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Durante o almoço Tetê fantasiou uma vida com ele: daria certo, ela tinha certeza. Um homem sereno e maduro, charmoso, bonito e bem vestido. Bem resolvido com o mundo, com os negócios e com a família. Amigo da ex-mulher e do marido atual dela. Uma das filhas grávida e ele quase vovô de primeira viagem. Tetê queria tentar, achou que merecia esse tipo de "descanso", depois das batalhas pesadas que havia tido com e pelo ser esquisito.
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Ao final do almoço ele confidenciou que gostaria muito de vê-la novamente, queria conhecer o lugar onde ela morava (ops!) e comer uma comidinha que ele preparasse (ops! ops! ops!). Atenciosa, Tetê perguntou o que ele gostaria de comer... ele disse que adoraria um franguinho básico... e marcaram o jantar que Tetê prepararia para o dia seguinte!!!
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Tetê nunca preparou nada na vida, quanto mais um frango. Mas, esperançosa, se convenceu que, se tudo tinha um preço, esse até que era bem barato. Imagine! Quem não sabe preparar um franguinho básico? Bem, ela não sabia, mas iria aprender, lógico. Ligou para uma amiga e pegou a receita, detalhe por detalhe. Entrou no supermercado e deu de cara com o frango, que passou do congelador para o carrinho pelas pontinhas dos dedos dela. Ugh....
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Chegou em casa as cinco horas e ele chegaria as oito. Colocou o frango na pia e foi arrumar a casa. Voltou para a cozinha e lá estava o frango, no mesmo lugar. Quer dizer, um pouquinho mais descongelado, mas no mesmo lugar. Deu as costas para o frango e foi organizar os CDs. Entra na cozinha e o franguinho lá na pia. Ainda na pia. E ainda mais descongelado. Foi trocar a água das flores no banheiro. E entrou na cozinha novamente... lá estava o franguinho, dentro da pia. Desta vez, absolutamente descongelado e mole. Amorfo. Desconectado dela. Morto. Estático. Branco. Empacotado. Absolutamente desmaiado. O relógio marca sete horas e o desespero marca Tetê.
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Tetê toma banho e se arruma, mas não imagina de que forma pode chegar perto daquele cadáver dentro da sua pia. Ela olhava para ele e tinha a nítida impressão de que ele estava em estado adiantado de decomposição. Dele, saía uma água branquinha e um cheiro insuportável. Tetê teve a impressão de que ele estava se mexendo... fingiu que olhava para cima e subitamente olhou para o cadáver novamente. Não havia dúvidas – pensando que ela não estava olhando, ele havia se mexido. Parecia que estava rindo de Tetê. E Tetê começou a chorar. Primeiro, mansamente. Em segundos estava soluçando em desespero completo. Fechou a porta da cozinha e pensou em chamar a polícia, os bombeiros, o porteiro, a vizinha. Mas o interfone tocou! Oito em ponto e aquele homem charmoso estava na portaria, e não havia meios de reverter a situação.
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Tetê abriu a porta e antes que ele estendesse as flores, se jogou no pescoço dele e pediu aos berros, por tudo que era mais sagrado para ele, que a ajudasse a tirar o cadáver da cozinha, da pia e da vida dela.
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O homem ficou mais branco que uma folha de papel, largou as flores no chão, se desvencilhou do abraço desesperado dela e voou para localizar a cozinha... quando voltou para a sala ainda branco de susto, ergueu as flores e a Tetê do chão. Flores na mesa, Tetê no sofá. Educadamente, ele diz que vai sair com o cadáver e que Tetê deve tomar um banho e dormir para se recompor. Ele ligaria no dia seguinte cedinho para saber como ela estava.
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Até hoje Tetê não entende porque ele nunca mais telefonou.

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