quarta-feira, janeiro 23, 2008

Experiências científicas e policiais na cozinha

Ontem de madrugada o cientista ligou para Tetê. Ele está novamente em New York, depois de alguns meses em Paris. Queria dar e ter notícias pois nessas andanças pelos continentes, nem sempre consegue se comunicar com ela.
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Contou que estava preparando um jantar e lembrou dos desastres que rolavam na cozinha enquanto estavam juntos, anos atrás. O mais inesquecível aconteceu quando ele inventou uma galinha à cabidela. Saiu cedo para o supermercado e Tetê foi para a praia, pois ele era muitíssimo melhor no laboratório de física do que na cozinha, e ela odiava a bagunça que ele fazia.
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Nessa época moravam no térreo de um prédio em Ipanema, e o síndico era uma graça, amigo do casal de longas datas. Tetê torrou no sol a manhã inteira e quando voltou, viu que a porta do apartamento estava entreaberta. Um pouco assustada, ela entrou em casa e viu a sala tranqüila. O corredor tranqüilo. Antes de entrar no quarto, entrou na cozinha e presenciou uma cena dantesca: um enorme facão em cima da pia e muito sangue pelo chão, pelas paredes e com alguns respingos no teto. Um silêncio absurdo e um vento forte de verão soprando as cortinas para todos os lados.
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Tetê enlouqueceu. Aquilo em pleno Rio de Janeiro não deixava dúvidas. Chamou o síndico e mostrou a cena. Ele não quis entrar no resto da casa e chamou a polícia. Tetê na portaria aos prantos rodeada de vizinhos que gritavam. As pessoas passavam na rua e a notícia do assassinado chegava na esquina da praia. Curiosos e conhecidos queriam por força entrar no apartamento e eram barrados pelo porteiro do prédio. Ninguém podia entrar enquanto a polícia não chegasse, eram ordens do síndico.
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A polícia demorou mas chegou com duas viaturas escandalosas, deixando as sirenes ligadas e interditando o trânsito na quadra. Tetê estava em estado de choque e absolutamente melada, pois de todos os apartamentos surgiam copos de água com açúcar. Ela tomava todos mas não falava, não entendia muito bem o que seria necessário fazer: depoimentos, achar o corpo, enterrar, explicar para os parentes dele, para os parentes dela. Missa, luto, choro, Jornal Nacional, páginas policiais, uma viuvez tão precoce mas tão previsível: a violência conhecida do Rio, aquela cidade maravilhosa que tirava dela a expectativa de ser feliz. E aquela gente toda em volta consolando, ajudando, atrapalhando, gritando, perguntando. Ela não agüentou e desmaiou.
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Lembra de retornar aos poucos, já na sua cama. De um lado o síndico, segurando sua mão. De outro lado... o cientista. A primeira coisa que Tetê pensou foi que morrer era doce. Ela tinha morrido e agora os dois estavam ao seu lado. Mas... se ele morreu e ela morreu, o que o síndico estava fazendo naquela cena celestial? Ele explicou:
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Para fazer a galinha à cabidela (desgraçada da galinha!) era preciso sangue da galinha (desgraçada duas vezes!). E o cientista comprou o sangue da galinha (maldita e desgraçada galinha!!!) em saquinhos de plástico no supermercado. Para abrir o sangue da galinha (grrrrrrrrrr) ele usou o facão. O saquinho furou e espirrou sangue por todos os lados. Ele, assustado e sem saber por onde começar a limpar, foi dormir sem trancar a porta que deve ter aberto sozinha com o vento. Acordou com as sirenes....