domingo, março 16, 2008

Delicada viagem

Tetê viajou. Uma inesquecível e estranha viagem para dentro dela mesma.

Durante um mês, se afundou em pilhas intermináveis de trabalhos atrasados. Não falou com ninguém, não saiu de casa, não respondeu recados, desmarcou todos os compromissos sociais. Chegou em casa cedo todos os dias, viu televisão, leu, pensou, tomou incontáveis banhos de banheira cheinha de velas, perfumes, espumas e com a companhia do bom e velho Jack Daniel's. Tomou a atitude cuidadosa e delicada de avisar ao deus grego que estava bem, mas precisava ficar só – e ele, cuidadoso e delicado, entendeu.

O que ela queria era reorganização total. Precisou criar tabelas, relatórios, reestudar hipóteses, reestruturar teorias, pegar no colo todos os seus sentimentos e reeducá-los. Um a um. E, principalmente, precisou colocar seu coração em paz. O turbilhão dos últimos três anos a havia esgotado física e emocionalmente. Ela tinha que administrar, inclusive, problemas de saúde. E resolveu colocar tudo em ordem de uma só vez. Era a cara dela isso tudo, essa forma de dar um basta no caos simplesmente mergulhando nele, pesquisando in loco o olho do furacão.

Cla-ro que a primeira coisa a ser resolvida internamente era "ele". E Tetê se dedicou ao assunto com seriedade total. Deu um salto mortal perigosíssimo no passado e se abandonou em todas as lembranças, por menores que fossem. Reviveu cada conversa, dormiu abraçada a cada fotografia, lembrou de todas as risadas, chorou novamente todas as lágrimas. Parecia um zumbi, desvinculada de tudo o que não estivesse ligado às lembranças dele. E em uma tarde qualquer, sem nenhum motivo aparente, entrou naquele esquecido msm e excluiu o nome dele. A noite, em casa, pilotando uma tesoura afiada, fez tirinhas lindas e uniformes de todas as fotos. De madrugada acordou e jogou no chão o travesseiro que abraçava religiosamente desde o último aniversário, como se fosse o corpo dele.

Acordou pela manhã se sentindo triste, mas talvez um pouco mais leve. Ela mesma estava cortando as amarras que a prendiam ao passado. Contabilizou calmamente as perdas, retirou do armário os esqueletos e sacudiu o tapete. Agora ela sabia que a cura estava próxima. Obviamente, foi ao shopping e deixou dois cartões de crédito à beira da morte. Mas o importante é que ela estava viva. E pronta para encarar o saldo. E o saldo era simplesmente o amor.

Tetê havia, tardiamente, descoberto o amor. Ela sabia que ele nunca entenderia isso, mas ela havia amado. Tinha a certeza de que durante todos os relacionamentos anteriores, havia negado esse sentimento estranho. Nenhum homem conseguiu chegar perto de despertar nela o que ele, descuidada e displicentemente, despertou. E ele não fez força alguma, não quis despertar nada além de umas divertidas noites com ela. Ele queria rir, e ela queria amar. Ele queria festa, e ela queria calmaria. Ele queria sexo, e ela queria afeto.

Agora ela entendia que, finalmente, não queria mais nada. Não queria. Nada mais a chamava para ele. Ela não tinha mais a urgência. Havia voltado a ser a antiga Tetê, pré-furacão (ou seja, ela mesma sendo o furacão). Havia retomado o controle que sempre permeou sua vida e suas relações anteriores, e se sentia pronta para abrir a porta novamente. Sem medo, pois já não corria o perigo de se entregar daquela forma que, até então, desconhecia (e que por sinal, O-DI-OU conhecer...)

Durante sua "viagem", várias vezes colidiu com as coincidências idiotas: pessoas amigas citavam o nome dele, conheceu uma outra mulher que estava saindo com ele, avistou-o de longe uma noite, obviamente, acompanhado. E torceu de verdade para que nenhuma outra passasse pela metade do que ela passou.

Tetê estava de volta. Dona de seu antigo controle, detonando cartões de crédito, começando a procurar os velhos amigos e aceitando convites para sair. Tudo nela estava rodeado de glamour novamente, de sons de risadas e boa música, de pessoas bonitas que jantavam em lugares bonitos e não se metiam em confusões e em incoerências emocionais, pessoas que já tinham passado pela infância e pela adolescência e viviam a vida com a leveza que só a responsabilidade pode trazer. Ela não tinha mais cheiros e cores do passado. Do passado, ela só trazia dentro dela os restinhos do susto que o tal do amor tinha pregado. E descendo do avião, de volta para casa, estava tranqüila com todos os presentes que trazia na nova bagagem (incluindo alguns vestidinhos básicos fantásticos...).

2 comentários:

Anônimo disse...

Como você conseguiu?

Tetê disse...

Oi! Na realidade, eu não "consegui". Eu "sofri" o processo. E para ser sincera, a viagem só foi delicada mesmo agora, no finalzinho. Antes... foi traumática, enjoativa e sem charme.
Beijíssimos e coragem aí.
Tetê